Queixas de discriminação por deficiência sobem 30%, a maioria por causa de acessibilidade

Instituto Nacional para a Reabilitação só registou uma contra-ordenação. O acesso a direitos fica em segundo lugar entre as queixas mais frequentes. Quem está no terreno fala de ineficácia da lei e de falta de fiscalização.

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paulo pimenta

Em 2019, o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), que supervisiona a lei que proíbe a discriminação de pessoas com deficiência, contabilizou mais 30% de queixas do que no ano anterior, passando, assim, de 911 para 1274. Esta foi uma inversão da tendência de 2018, ano em que desceram as queixas face a 2017. Porém, o INR registou apenas um processo de contra-ordenação, que deu origem a uma coima, lê-se no relatório anual sobre 2019. 

As queixas desta natureza têm várias portas de entrada: o próprio INR ou outras entidades reguladoras. O INR contacta estas entidades para recolher os dados – de 42 entidades contactadas, 13 não responderam, lê-se no relatório. Das 1274 queixas registadas pelo INR, a esmagadora maioria, 1076, chegaram via outras entidades. Dessas, mais de 44% deveram-se a questões de acessibilidade. Porém, nota-se ainda uma elevada percentagem de queixas por causa da limitação de direitos, praticada por empresas ou agentes do Estado, que ficaram em cerca de 30% do total.

A fiscalização da lei também se refere a queixas motivadas pelo risco agravado de saúde mas estas representam apenas 3%. Das 1274 reclamações registadas, cerca de um terço (486) foram encaminhadas, há 367 processos a decorrer e 420 tiveram arquivamento. Destas últimas, a maioria (46%) foi arquivada porque a situação se resolveu ou havia falta de prova (22%). Apenas 4% das queixas foram arquivadas por não se ter verificado prática discriminatória. 

Para Ana Sezudo, presidente da Direcção Nacional da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), apesar do aumento das queixas elas são “sempre pequenas comparando com o que realmente acontece”, nota ao PÚBLICO. Paula Campos Pinto, coordenadora do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos (ODDH), refere que, embora exista um aumento do número de queixas, “na prática ainda são muito poucos os casos que acabam condenados”. Analisa: “Há um grande leque de situações em que a discriminação é subtil” e é “realmente difícil que se consiga apurar e comprovar aquilo que aconteceu, tendo por base que a pessoa com deficiência é a mais vulnerável nessa relação de poder.” “O problema é que a lei coloca o ónus da prova na pessoa que é vítima, em vez de o colocar naquela que praticou o acto discriminatório.”

Queixas mais bem instruídas?

A presidente da APD considera que em termos de legislação Portugal “está bem contemplado”, mas há “falta de entidades fiscalizadoras”. Isso nota-se em relação à acessibilidade, área em que a legislação não é nova, e por isso “não há motivo para continuarmos a assistir a um edificado tão pouco acessível”, refere. “Só acontece porque não existe uma entidade fiscalizadora, que aplique uma coima” e “faça cumprir”, da “mesma forma que o Estado faz com que os cidadãos cumpram as suas obrigações”. O cidadão “está interessado que se resolva”. O elevado número de queixas relativas a acessibilidade significa que esta é uma questão por resolver e “limitadora por ser transversal: estamos a falar do acesso a saúde, educação, emprego, transportes”, analisa. 

Já a coordenadora do ODDH considera que, “do ponto de vista da discriminação”, a lei “acaba por ter muito pouca eficácia: “há muitas queixas” arquivadas por “falta de prova”, ou seja, “há muitas queixas que não são bem instruídas, faltam elementos”. “Se isto se verifica há tantos anos, não seria responsabilidade do INR fazer qualquer coisa para que estas queixas fossem mais bem instruídas, apoiar os cidadãos a fazer queixa?”

Mas sublinha que o aumento de queixas é algo positivo porque significa que há um “papel mais activo” das pessoas com deficiência, familiares ou amigos para exigir o cumprimento da lei, algo que “tem sido fruto do trabalho de muitas organizações não-governamentais”. 

Da leitura do relatório, a dirigente da APD notou ainda que não há queixas relativas a quotas no emprego. De acordo com a lei, nos concursos externos da função pública com número de vagas igual ou superior a dez é fixada uma quota de 5% a preencher por pessoas com deficiência; no sector privado, as empresas com mais de 72 trabalhadores devem admitir uma quota “não inferior” a 1% de pessoas com deficiência.

“Não há queixas sobre as quotas de emprego mas, como os concursos ultimamente são para uma vaga, a quota não se cumpre. E lá está, mais uma vez, o Estado a incumprir”, refere Ana Sezudo, que critica ainda o número de entidades que não responderam à solicitação do INR. “Nem todas as entidades se dão ao trabalho de responder, isso diz alguma coisa sobre a pouca importância que dão a esta área”, conclui. 

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