Traz uma cerveja do frigorífico: as conversas de bar com investigadores portugueses estão online

No Pint of Science, cientistas falam com quem não distingue Astronomia de Astrologia sobre as investigações em que andam a trabalhar. As conversas com um copo na mão, mas sem perder o rigor científico, acontecem de 7 a 9 de Setembro — desta vez, com as cervejas no frigorífico de casa.

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João Silva está há quatro anos a estudar o Sol em Estocolmo.“O que é irónico porque aqui não há muito”, ri-se. A piada sai tão rapidamente na chamada telefónica com o P3 que perguntámos ao astrónomo se vai ser a abertura da conversa no Pint of Science, um festival onde cientistas entram num bar e conversam sobre Ciência com uma cerveja na mão. “Talvez”, confessa o astrónomo.

“O que nos dizem as cores do Sol?” é a pergunta a que o investigador português vai tentar responder para quem nunca ouviu falar ou quer aprender mais sobre diferentes frequências de luz. De 7 a 9 de Setembro, há quatro conversas por dia com investigadores portugueses a trabalhar em 12 países, para ouvir e participar gratuitamente no perfil do Facebook do Pint of Science Portugal.

A terceira edição do festival, em Portugal, não vai ter encontros em bares no Porto, Aveiro, Braga, Bragança ou Lisboa. “Como este ano o festival é online, por causa da pandemia, a nossa decisão foi de não convidarmos nenhum orador a residir em Portugal e aproveitar para mostrar a Ciência além-fronteiras, a Ciência dos portugueses que estão lá fora e que, por não termos orçamento, não podemos convidar para edições presenciais”, explica Daniela Domingues, neurocientista e parte da organização.

Para isso, recorreram à rede GPS.pt, que mostra num mapa onde andam os investigadores portugueses e em que áreas produzem investigação. “Todas estas pessoas formaram-se em Portugal e tiveram de ir para fora por escolha ou por falta de escolhas, mas não querem desligar-se do próprio país”, apresenta. Estamos a discutir diferentes tipos de investigação mas na nossa língua materna e acho que isso ajuda à discussão. Queremos mesmo que a Ciência deixe de ser uma língua estrangeira.”

A investigadora em Neurociências trouxe as conversas sobre Ciência para bares portugueses em 2018, depois de ter assistido a um dos encontros em Londres, onde teve a primeira experiência laboratorial. “Na altura, contactei a equipa internacional que disse até até já ter sido contactada por portugueses. Passado um ano, estava na Suécia quando me contactaram a perguntar se queria coordenar o Pint of Science em Portugal”, relembra-se.

Três anos depois, há equipas de 20 voluntários em cinco cidades portuguesas. Daniela convida quem quiser juntar-se a contactar a organização (principalmente se trouxer sugestões nas áreas das Humanidades, a maior dificuldade da equipa). “Os portugueses gostam de ambientes de bar e muitas das conversas interessantes que tenho com os meus amigos são nesse contexto descontraído, onde discutimos tudo, desde política a matemática”, conta a investigadora na Fundação Champalimaud, prestes a iniciar um doutoramento na Alemanha.

Nenhuma das 12 conversas é sobre o tema que mais atenção agarrou nos últimos meses: a covid-19 e os projectos de investigação da vacina do coronavírus SARS-CoV-2. “Não foi um factor restritivo na escolha de oradores do nosso programa, mas na nossa página do Facebook tentamos ser uma plataforma de divulgação de Ciência e apercebemo-nos que havia muita informação relacionada com a covid-19. Agora, muitas pessoas aperceberam-se que a Ciência era importante, mas a Ciência já era importante antes. As nossas escolhas não foram pelo tema que está hype, neste momento.”

As conversas às 19h, 20h, 21h e 22h debruçam-se sobre “segurança, democracia e o nosso futuro colectivo”, mas também falam dos “novos desafios na modelação da mobilidade do futuro” ou dos “enigmas do nosso cérebro”. “Estou a tentar compreender os mecanismos pelos quais os dois hemisférios do cérebro humano comunicam. Para isso, uso um sistema modelo que nos permite usar mesmo células humanas para fazer estes estudos”, explica ao P3 Catarina Martins Costa, uma das oradoras. “A minha palestra vai ser exactamente sobre o que tentei explicar agora numa frase e não consegui”, brinca a mestre em Bioengenharia na Universidade do Porto, a tirar o doutoramento em Viena.

A organização do festival que se realiza quase em 30 países procura sempre “bons comunicadores”, mas comunicar Ciência fora das apresentações académicas — e em português — é um “desafio” mesmo para quem passa o dia a falar sobre ela. “A preparar a apresentação vejo o quão interessante é pôr-me na posição de quem nunca ouviu falar numa célula estaminal e penso como é que vou transmitir estas informações de uma forma fácil de compreender, mas sem perder a correcção científica. Acho que é nesse equilíbrio que está o interesse”, diz Catarina Martins Costa.

Não só para quem ouve, mas para quem tenta desmistificar a ideia do cientista alheado do mundo, que nunca emerge do laboratório. “Ajuda-me a perceber como é que a sociedade experiencia a minha investigação. Quero que as pessoas se consigam relacionar com o que eu faço e perceber que pode vir a ter um impacto ao nível da Medicina. Não é abstracto, é muito aplicado. Há pessoas em que os hemisférios não têm comunicação, por isso, ao estudar esta comunicação por conseguinte também estou a tentar perceber o que acontece nessas doenças”, explica a investigadora que vai estar de férias em Portugal durante a conversa.

Quem quiser, pode satisfazer a curiosidade ou tirar dúvidas durante a transmissão em directo das palestras. “É um formato menos social”, reconhece Daniela Domingues. “​Mas pode ser que também quebre a barreira da timidez que pode existir no presencial.” Mesmo com as cervejas em cima da mesa.

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