Médicos terão recusado apoiar lar de idosos no Barreiro, diz presidente da União das Misericórdias

Lares de idosos não têm de ter médicos por lei, apenas enfermeiros. Mas a ministra da Saúde determinou em Abril que os idosos com covid-19 que não necessitam de internamento hospitalar fossem acompanhados por médicos dos centros de saúde. Enfermeiro diz que lares são “terra de ninguém”.

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Daniel Rocha

O presidente da União de Misericórdias Portuguesas (UMP), Manuel Lemos, disse esta segunda-feira que “médicos do centro de saúde do Barreiro” se terão “recusado a dar apoio” no lar de idosos São João (da Santa Casa da Misericórdia local), onde um surto de covid-19 infectou mais de meia centena de utentes e funcionários e provocou quatro mortes. A revelação foi feita à saída de uma reunião com o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Miguel Guimarães, na sequência da polémica gerada pela auditoria da instituição ao surto de covid-19 do lar de idosos de Reguengos de Monsaraz, onde quase todos os utentes ficaram infectados e 16 morreram. 

“Os médicos [do centro de saúde do Barreiro] não explicitaram as razões para a [alegada] recusa. Foi a provedora da Santa Casa de Misericórdia do Barreiro que nos comunicou a situação na semana passada e nós não queremos ser acusados do crime de omissão de auxílio”, afirmou Manuel Lemos, que explicou que pediu a reunião com Miguel Guimarães para lhe fazer um apelo —  o de “sensibilizar” os profissionais para que “não deixem as pessoas sem médicos nos lares das misericórdias”. E isto porque a alternativa seria “transferi-los para os hospitais” onde correm maiores riscos.

“Não sei de nada” sobre o caso do Barreiro, reagiu o bastonário Miguel Guimarães, defendendo que essa situação tem que ser enquadrada e esclarecida. “Os médicos de família estão a fazer um trabalho extraordinário” que passa por seguir milhares de doentes com covid-19 que não necessitam de internamento hospitalar, frisou.

O PÚBLICO pediu uma reacção ao Agrupamento dos Centros de Saúde do Arco Ribeirinho, a que pertence o centro de saúde do Barreiro, à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, e ao Ministério da Saúde, mas não obteve resposta.

Os lares de idosos têm ou não de ter médicos? 

Por lei, os lares de idosos não são obrigados a ter médicos, apenas enfermeiros – um por cada 40 utentes, ou um por cada 20, no caso de estes serem idosos com dependências, explicou ao PÚBLICO Sérgio Branco, presidente da Secção Regional do Sul da Ordem dos Enfermeiros. Mas nem esta obrigação é cumprida muitas vezes, afirma. “Há lares que têm um enfermeiro para cem utentes”, diz Sérgio Branco, que lamenta que as residências para idosos não sejam periodicamente fiscalizadas. São “terra de ninguém” — a saúde alega que a tutela é da segurança social porque os lares de idosos são estabelecimentos residenciais, não de saúde, enquanto a segurança social argumenta que o que está em causa na pandemia de covid-19 são cuidados de saúde, acentua. 

Foi por causa desta “confusão toda sobre a presença dos médicos nos lares de idosos” que Manuel Lemos achou melhor ter “uma conversa institucional” com o bastonário da Ordem dos Médicos. “As misericórdias e os médicos têm uma relação de parceria que funciona há mais de 520 anos e não faz sentido que por causa de um vírus não nos entendamos”, afirmou. O presidente da UMP lembra que compromisso que o Estado assinou com o sector social para 2019/2020 diz “claramente que incumbe ao Ministério da Saúde assegurar a presença de médicos de família nas estruturas residenciais para idosos”. “Está lá, preto no branco. E nós avisámos logo no início da pandemia que alguns médicos estavam a desertar.”

Em 24 de Abril passado, a ministra da Saúde determinou, por despacho, que os doentes com covid-19 residentes em lares e cuja situação clínica não exija internamento hospitalar passavam a ser acompanhados diariamente pelos médicos de família e pelos enfermeiros dos respectivos agrupamentos de centros de saúde, em articulação com os hospitais da sua área de referência.

Foi a resposta à UMP e à Confederação Nacional de Instituições Particulares de Solidariedade Social (CNIS)  que avisaram que os idosos e as pessoas com deficiência podiam ter que vir a ser retirados dos lares, por causa da escassez de funcionários e da falta de preparação para lidarem com o novo coronavírus.

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