Pandemia divide fumadores: quase 30% fuma mais, um terço reduz ou deixa

Inquérito da Sociedade Portuguesa de Pneumologia revela que a pandemia foi das principais motivações para quem quis cortar no tabaco.

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Paulo Pimenta

Os resultados preliminares do questionário da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) acerca da forma como a covid-19 alterou os hábitos dos fumadores portugueses mostram uma polarização em tempos de pandemia. Por um lado, 27,8% dos cerca de mil fumadores que responderam ao inquérito publicado online afirmam que fumaram mais do que o normal durante o período de estado emergência, o período temporal que o estudo aborda. Por outro, um terço dos fumadores ou reduziu (19,5%) ou deixou completamente (12,8%). Já quanto a tentativas, 43,5% dos inquiridos dizem ter feito um esforço para deixar de fumar.

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Os resultados preliminares do questionário da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) acerca da forma como a covid-19 alterou os hábitos dos fumadores portugueses mostram uma polarização em tempos de pandemia. Por um lado, 27,8% dos cerca de mil fumadores que responderam ao inquérito publicado online afirmam que fumaram mais do que o normal durante o período de estado emergência, o período temporal que o estudo aborda. Por outro, um terço dos fumadores ou reduziu (19,5%) ou deixou completamente (12,8%). Já quanto a tentativas, 43,5% dos inquiridos dizem ter feito um esforço para deixar de fumar.

Para o pneumologista e membro da SPP José Pedro Boléo-Tomé, os resultados não são inesperados. “Por um lado, houve um aumento de ansiedade e stress associados ao confinamento, à incerteza, e essas pessoas terão aumentado o seu consumo”, justifica. “Por outro”, continua, “há uma fatia relativamente grande de pessoas que tentou realmente melhorar [a sua saúde] e o confinamento parece ter sido uma das motivações”. Embora a fase de respostas já tenha sido encerrada, ainda se está a analisar os dados. Porém, já é possível admitir que a pandemia – através de condicionantes como não querer fumar dentro de casa ou o medo de consequências mais gravosas caso se seja infectado – foi das principais motivações para quem quis cortar no tabaco.

O especialista em tabagismo considera que os resultados são “bastante positivos”. “Tendo em conta a incerteza e a carga negativa que se viveu neste período, que até potenciam o agravamento de adições, este valor [de quem reduziu ou deixou de fumar] é bastante favorável”, conclui. Isto apesar de, segundo José Pedro Baléo-Tomé, não ter havido nenhuma campanha nacional específica a abordar este assunto. Uma vez que o período actual representa “uma situação muito especial”, o pneumologista sublinha que “tem de ser aproveitada” para melhorar a saúde dos portugueses.

“Se houvesse mais medidas, provavelmente os resultados seriam ainda melhores”, aponta o especialista, que admite que os períodos subsequentes a aumentos no preço de tabaco e imposição de regras como proibição do fumo em determinados espaços são os que revelam maiores quebras no número de fumadores. “Infelizmente, nos últimos anos, o decréscimo no número de consumidores de produtos de tabaco tem sido muito lento porque tem havido falta de investimento público em medidas mais concretas”, remata o pneumologista.

Ainda assim, considera que os resultados, publicados em Junho, do Inquérito Nacional de Saúde relativamente ao número de fumadores em Portugal são “surpreendentemente, muito bons”. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativamente a 2019, cerca 17% da população com mais de 15 anos em Portugal é fumadora, um decréscimo face aos 20% encontrado na análise feita em 2014.

Pandemia pode não ser razão para deixar, mas ajuda

A pandemia não foi a razão que levou Albano Loureiro, de 49 anos, a deixar de fumar. Contudo, “ajudou imenso”. Fumador há 30 anos, já tinha conseguido reduzir de um maço para apenas meio por dia, mas nunca tinha tentado parar completamente. Problemas de saúde levaram a que o bancário decidisse tentar largar o vício no dia 1 de Março, com recurso a medicação. O progredir da pandemia colocou-o em teletrabalho logo na segunda semana do mês, o que se revelou fundamental para cumprir o objectivo.

“O facto de estar em casa e não ter visto durante três meses ninguém a fumar à minha volta nem sentir o cheiro a tabaco ajudou imenso”, revela. Foi, por outro lado, o recurso à medicação que o apoiou na luta contra o stress do confinamento.

O caso de Albano Loureiro corrobora os dados que indicam a taxa de população que consegue deixar de fumar permanentemente apenas por motivação própria, sem outro tipo de ajudas, é curta: entre 3% e 5%. Mas para este agora ex-fumador há outra ajuda, um “truque psicológico”. Nos anos todos em que fumou, “entrava em stress” se não tivesse um maço de tabaco consigo. Por isso, mesmo tendo deixado, continua a ter um maço cheio em casa que o tranquiliza, mesmo que não tenha intenções de voltar a precisar dele.

Por outro lado, foi exactamente todo o tempo passado em casa que levou a que Francisco Serpa, de 43 anos, fumasse mais durante o período de confinamento. O professor, natural do Faial, Açores, diz não saber ao certo o número de cigarros que fuma diariamente, mas aponta para que, perante o stress, a ansiedade e a incerteza trazidos pela pandemia, possa ter fumado cerca de dois maços por dia, mais meio maço do que seria habitual. São esses os factores para que considere que, pelo menos para si, esta altura não fosse a mais apropriada para deixar o vício.

“Em relação ao tabaco e até à comida, acho que houve um processo de compensação, nesta altura”, aponta. Apesar do aumento, mostra-se confiante de que este não é para durar, sobretudo à medida que o desconfinamento avance. 

Fumadores têm maior risco perante covid-19

Embora satisfeito com o número de pessoas que reduziu ou deixou de fumar durante o estado de emergência, o pneumologista José Pedro Baléo-Tomé permanece cauteloso quando à duração dessas decisões. “Este é um número pontual. Nós não sabemos quantas destas pessoas vão recair”, lembra o especialista e refere que “se fosse feito o mesmo questionário às mesmas pessoas agora, os resultados poderiam ser diferentes”. Uma constatação que preocupa o especialista uma vez que, embora ainda não se saiba ao certo porquê, existe efectivamente uma relação entre os fumadores e consequências mais graves perante uma infecção de SARS-CoV-2.

Nós já sabemos que dentro das pessoas que são hospitalizadas por covid-19, os fumadores têm doenças mais graves e uma taxa de mortalidade maior”, descreve. Por isso, “há cada vez mais estudos e instituições a alertar para que a questão do tabagismo seja integrada na forma como os países fazem o controlo da pandemia”, aponta o médico.

Já em Maio a Organização Mundial de Saúde recomendou aos fumadores que tomassem medidas imediatas para deixarem de fumar, para se prevenirem de situações graves caso fossem infectados pelo novo coronavírus.