Entre Portugal e o Brasil, o Atlântico de Tiago Cadete abre o Citemor 2020

O artista retoma neste novo espectáculo, ainda em processo, a sua continuada reflexão sobre a relação entre os dois países, desmontando o discurso luso-tropicalista aqui e ali ainda dominante.

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Atlântico terá a sua estreia formal em Dezembro no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa RAPHAEL FONSECA

Atlântico, que o artista multidisciplinar Tiago Cadete apresenta esta noite, em Coimbra, no Teatro da Cerca de São Bernardo, inaugurando o 42.º Citemor – Festival de Montemor-o-Velho, “é uma mostra informal do processo de trabalho.” Uma parcela, pouco mais do que o esboço de um espectáculo que só terá versão definitiva quando for apresentado em antestreia, marcada para 28 de Novembro, no Teatro Municipal de Faro, um pouco antes da estreia, digamos, formal, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, a 3 de Dezembro. Mas nem por isso deixa de ser alimento para o espírito.

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Atlântico, que o artista multidisciplinar Tiago Cadete apresenta esta noite, em Coimbra, no Teatro da Cerca de São Bernardo, inaugurando o 42.º Citemor – Festival de Montemor-o-Velho, “é uma mostra informal do processo de trabalho.” Uma parcela, pouco mais do que o esboço de um espectáculo que só terá versão definitiva quando for apresentado em antestreia, marcada para 28 de Novembro, no Teatro Municipal de Faro, um pouco antes da estreia, digamos, formal, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, a 3 de Dezembro. Mas nem por isso deixa de ser alimento para o espírito.

Já é longa a relação com o Brasil do autor de Alla Prima (2015), no qual esboça o seu pensamento sobre a expressão cultural daquele país, melhor, sobre a identidade do corpo brasileiro ao longo da História do país, ou de Entrevistas (2018), espectáculo criado a partir de testemunhos de portugueses a viver no Rio de Janeiro, que servem, lá no fundo, para criar uma falsa biografia do criador. Longa e, pode dizer-se, tão imersiva quão interrogativa na sua busca de compreensão da visão do outro e de confrontação com a versão oficial portuguesa da colonização, aquela que todos aprendemos na escola, que damos como adquirida, e sobre a qual realmente pouco pensamos, quanto mais reflectimos. Atlântico, explica ao PÚBLICO, “é uma ideia com três anos”, contemporânea do início do seu mestrado, e que, para aqui chegar, a este trabalho ainda em fase de progresso, “começou a ser desenvolvida há mais de um ano”, bem se pode dizer que num lugar improvável.

É com imagens registadas durante um cruzeiro através do Atlântico, realizado em Dezembro do ano passado, que os espectadores vão ser confrontados, é por elas que serão conduzidos (com o auxílio da música de Bruno Pernadas, do desenho de luz de Rui Monteiro, do figurino concebido por Carlota Lagido e ainda da voz-off de Leonor Cabral). Imagens de um “percurso turístico justapostas ao movimento histórico dos portugueses no Brasil”, diz o autor, que estará sentado na plateia, junto ao público, como se de um anónimo se tratasse, mantendo ele próprio certa distância, narrando o filme projectado em palco e discernindo à sua maneira sobre a ocupação da mais próspera colónia portuguesa de então. Na prática, é como refazer o percurso através de um oceano outrora tão carregado de superstições e monstruosidades imaginárias, que era em simultâneo lugar de desafio e superação, mas também via de transporte tanto de escravos como de marinheiros sem outra saída. Só que, agora, na perspectiva de quem busca o prazer de praias tropicais e paisagens de preferência luxuriantemente instagramáveis. 

Voltando ao assunto, nas palavras de Tiago Cadete: “A narração em tempo real (resgatando a ideia do narrador nascida em Walter Benjamin) é uma experiência que invade essoutra experiência que é o cinema”. E a presença física do artista, contando uma história que é em si um desafio à plateia, “joga também com os limites do que são as experiências teatral e cinematográfica”.

“Viver no Brasil”, prossegue, ser confrontado com outras narrativas históricas, outra visão daquilo que para nós é descoberta, mas, para outros, pode chamar-se invasão, ou conquista, ou achamento (afinal descobriu-se um território que já lá estava), coloca diversas questões identitárias. O meu ponto de vista mudou muito depois de ler historiadores, portugueses e brasileiros, pois o que aconteceu é descrito e interpretado de muitas formas diferentes. É esse questionamento que quero devolver ao público”, explica ao PÚBLICO. “Talvez hoje”, considerando diferentes pontos de vista, verificando como os povos brasileiro e português estabeleceram as suas identidades e mantêm as suas relações, “seja possível algum tipo de processo de ‘restauração’ histórico que seja levado até à esfera pública e, depois, veremos o que acontece... Até por muitas questões que consideramos portuguesas serem geradas no Brasil”, defende.

Também por este imaginário dos cruzeiros ser hoje, por conta da covid-19, sinal de outra época, estas são de certo modo “imagens arqueológicas”, uma espécie de miragem, um sinal da impossibilidade, pelo menos momentânea, que pode entroncar paralelamente no desejo do original. Seja como for, realça Tiago Cadete, “falta mais reflexão, mais confronto”. Que poderão estar, porventura, na resposta do público”.