Num ano frágil, o Citemor regressa com a força da criação

Festival de artes performativas de Montemor-o-Velho começa a 24 de Julho e vai até 8 de Agosto.

Foto
Tiago Cadete abre o Citemor 2020 com Atlântico RAPHAEL FONSECA

O Citemor sobreviveu à onda de cancelamentos que foi varrendo a programação cultural deste peculiar Verão de 2020 e apresenta-se de 24 de Julho a 8 de Agosto, repartido, como em anos anteriores, entre Coimbra, Montemor-o-Velho e Figueira da Foz. Adaptado às circunstâncias e com uma grelha reformulada, o festival de artes performativas que vai na sua 42.ª edição tem em Atlântico, trabalho de Tiago Cadete na fronteira entre as artes visuais e as artes performativas, a primeira apresentação de uma programação marcada pela incerteza e por espectáculos com equipa reduzida. 

Apesar das limitações, o festival conseguiu manter a sua vocação de apoio à criação, insistindo nas residências artísticas (Atlântico, que será apresentado no Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra, é fruto de uma delas), cujos resultados integram os espectáculos desta edição. Com grupos de trabalho pequenos, os projectos a germinar em Montemor não ofereceram particular preocupação à organização, explica o director artístico do Citemor, Armando Valente. “Mas temos consciência de que tudo isto é relativamente frágil e de que este desenho [da programação] pode ser subitamente alterado”, admite.

Também no primeiro dia do festival, a Casa das Artes Bissaya Barreto abre as portas para mostrar Biblioteca, uma instalação com três objectos em acrílico de Horácio Frutuoso, que parte do vídeo A Experiência do Lugar II, de Helena Almeida. No dia 25, sábado, o epicentro passa para Montemor-o-Velho, com a peça Primeiro Mandamento – Romeu e Julieta, da Útero, a associação cultural dirigida por Miguel Moreira e Romeu Runa. Esta apresentação informal, também resultado de uma residência artística, tem como ponto de partida a criação para ballet do compositor russo Sergei Prokofiev, que, por sua vez, trabalhou nos ombros do clássico de William Shakespeare. 

Na semana seguinte, a 31 de Julho, um regresso: os intervenientes são os mesmos, o dispositivo também, mas a conversa é outra. Gonçalo M. Tavares e Ignasi Duarte, cineasta catalão que há quatro anos esteve com o autor português neste mesmo festival (e em Paris e em Barcelona), retomam as suas Conversas Fictícias, em que o escritor responde a perguntas formuladas por ele mesmo a personagens das suas obras, num exercício que está já noutro estádio de desenvolvimento.

Neste regresso, Tavares e Duarte poderão não voltar exactamente ao palco que pisaram em 2016. O local das apresentações em Montemor-o-Velho está ainda por acertar. Para já, a organização está a trabalhar com dois cenários (ar livre ou espaços interiores), mas a questão deverá ficar resolvida ao longo da próxima semana. “Não tem a ver com lotações, mas achamos que, neste período, o público pode estar mais disponível para responder a um programa ao ar livre”, explica Armando Valente.

Óscar Cornago e Juan Navarro (colaborador regular de Rodrigo García, o carismático encenador argentino que regressou ao Citemor em 2019 depois de ali se ter tornado fenómeno de culto no início dos anos 2000) estreiam Se Alquila, em Montemor, no primeiro dia de Agosto. Também em primeira apresentação ao público, no dia 7, estará Falsos Amigos, criação em que Miguel Pereira e o coreógrafo catalão Guillem Mont de Palol trabalham palavras semelhantes de línguas diferentes. A programação encerra no Núcleo Museológico do Sal, na Figueira da Foz, com a Orquestina de Pigmeos, um colectivo formado por Nilo Gallego e Chus Domínguez que tem a sua génese na performance Pigmeus do Mondego, apresentada no Citemor, em 2009, sob direcção de Gallego. 

Biblioteca, de Horácio Frutuoso BRUNO SIMÃO
Primeiro Mandamento – Romeu e Julieta, da Útero HELENA GONÇALVES
Falsos Amigos, de Miguel Pereira e Guillem Mont de Palol Mila Ercoli
Fotogaleria
Biblioteca, de Horácio Frutuoso BRUNO SIMÃO

De fora desta edição ficam quatro espectáculos que estavam já prontos mas que não poderão ser apresentados por razões relacionadas com a pandemia, de forma directa ou indirecta: “Ou porque as equipas são numerosas, ou porque os artistas têm factores de risco”, refere Armando Valente.

Não é a primeira vez que a preparação do Citemor se assemelha a um exercício de funambulismo. A estrutura que atravessou um deserto de apoios públicos ao longo de vários anos desta última década foi assegurando a continuidade do festival, ora com programações mais abreviadas, ora apresentando os espectáculos fora de época. 2019 foi importante para que o Citemor conseguisse recuperar a sua capacidade de produção, uma das características mais distintivas do festival. E este ano, apesar da situação pandémica, Montemor-o-Velho mantém-se um lugar de criação. Não surpreende, pois, que “o programa seja composto integralmente por obras inacabadas ou em desenvolvimento, que beneficiam de um período de trabalho e de um primeiro encontro com os públicos”, explica o director artístico. “Estamos habituados a trabalhar em quadros muito complexos e com muitas variáveis. Agora temos de ter alguma serenidade e ir acompanhando o decorrer dos acontecimentos”, acrescenta.

Sugerir correcção