Bem-vindo ao futuro da Guiné-Bissau, um país vigiado pelos serviços secretos

Presidente anunciou em conferência de imprensa de balanço dos 100 dias da sua presidência que o Estado vai vigiar as comunicações de toda a gente, porque não quer críticas nas redes sociais. Tudo em prol da segurança e tranquilidade.

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Umaro Sissoco Embaló garantiu que daqui a dez dias o sistema de vigilância já estará operacional RODRIGO ANTUNES/LUSA

Umaro Sissoco Embaló quer transformar a Guiné-Bissau num país vigiado pelos serviços de segurança do Estado e não é só desejo: garantiu nesta terça-feira que os equipamentos já foram adquiridos e estão a ser instalados.

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Umaro Sissoco Embaló quer transformar a Guiné-Bissau num país vigiado pelos serviços de segurança do Estado e não é só desejo: garantiu nesta terça-feira que os equipamentos já foram adquiridos e estão a ser instalados.

“O Estado terá a capacidade para monitorizar os insultos sob a capa de anonimato nos órgãos de comunicação social ou nas redes sociais. Quem prevaricar será chamado à Justiça para responder pelos seus actos”, afirmou o chefe de Estado, citado pela agência Lusa.

Agora que a sua auto-proclamação como chefe de Estado foi aceite pela Comunidade Económica dos Estados Estados da África Ocidental (CEDEAO) e o seu Governo, liderado por Nuno Nabiam, conseguiu ver aprovado o seu programa, depois de ter conseguido desviar cinco deputados do PAIGC, o partido vencedor das eleições de Março de 2019, os seus planos para controlar a sociedade e os seus opositores podem ser postos em prática.

Dentro de dez dias, começa um futuro diferente para a Guiné-Bissau, aquilo a que o próprio chama de “nova República”, porque os agentes dos serviços de inteligência terão completado a formação e o equipamento estará devidamente instalado.

Essa “nova República” guineense parece-se com outras velhas Repúblicas que, no passado, usaram os serviços secretos para monitorizar os seus cidadãos e condicionar a liberdade de expressão dos seus críticos, assumindo um conceito abrangente de segurança do Estado que se confunde muitas vezes com a arbitrariedade do Presidente.

Desde que assumiu o Poder por sua iniciativa, antes que o processo eleitoral estivesse terminado e contra aquilo que ditava a maioria parlamentar, a maioria das decisões de Embaló têm vindo a ser tomadas sem ter em conta os pesos e contrapesos estabelecidos pela Constituição, em desrespeito à lei magna (já assumiu publicamente que dá ordens ao primeiro-ministro) e não se coibindo de recorrer a subterfúgios para contornar os condicionalismos constitucionais, como quando exonerou cinco ministros para que assumissem o seu lugar de deputados e votassem o programa do Governo.

Aprovado o programa, os ministros voltaram aos seus lugares no executivo que tinham sido deixados vagos à espera de serem readmitidos.

Na conferência de imprensa, Embaló desculpou-se com a pandemia pelos atrasos na aplicação de todas as medidas que pretende pôr em prática no país, nomeadamente a do referendo sobre a revisão constitucional, projecto para o qual nomeou uma comissão para fazer uma proposta, mesmo quando o assunto é prerrogativa exclusiva da Assembleia Nacional.

Garantindo que irá manter Nabiam como primeiro-ministro, porque agora o seu Governo já tem a sustentação de uma maioria parlamentar, Embaló dedicou-se a referir todas as grandes medidas que aí vêm, nomeadamente a aprovação de uma nova lei geral das pescas, que, mais uma vez, não é ele quem propõe ou aprova, cabendo ao Governo e ao Parlamento e ele ou promulga ou veta no final.

O mesmo acontece com o seu anúncio da construção de estradas e de um novo aeroporto internacional, que também não são prerrogativas de um chefe de Estado que não é chefe do Governo. O seu antecessor na Presidência, José Mário Vaz, passou os cinco anos de mandato em permanente conflito com os deputados e os sucessivos governos que foi nomeando, por agir como se a Constituição guineense fosse presidencialista como a dos seus países vizinhos (nomeadamente o Senegal) e não semipresidencial como é, na realidade.

Umaro Sissoco Embaló assumiu que é mesmo um regime presidencialista aquele que vigora na Guiné-Bissau, o único que parece faltar mesmo é a revisão constitucional para garantir isso mesmo. Na sua visão, a Guiné-Bissau estava em estado de coma e com ele irá mudar tudo.

“Esperem para ver no dia em que for anunciado o fim da covid-19, para verem a poeira a levantar-se e a quantidade de chefes de Estado que virão visitar a Guiné-Bissau”, garantiu o Presidente guineense, citado pela Lusa. Com ele, disse Embaló, o país está em processo de “recuperação da imagem e credibilidade”.

O chefe de Estado está tão convicto do seu papel que até garante que a partir de agora ninguém considerará a Guiné-Bissau como um Estado pequeno, sem se alongar a definir como pretende mudar a imagem do país em termos internacionais.

No entanto, a julgar pela abertura e encerramento de embaixadas anunciado, Bissau conta com novos aliados no mundo muçulmano, encerrando as embaixadas na Indonésia e no Irão e abrindo representações diplomáticas na Arábia Saudita, Turquia e Qatar.