Quatro associações do sector olivícola acordaram suspender a colheita nocturna de azeitona

Estudo efectuado pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas na campanha anterior permitiu concluir que olivais são uma área de grande relevância para uma grande diversidade de espécies de aves.

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Anna Costa / PUBLICO

A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), a Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (Confragri), a Casa do Azeite e a Associação de Olivicultores do Sul (Olivum) concordaram suspender de forma “voluntária temporária” a colheita nocturna mecanizada da azeitona na próxima campanha, a iniciar em Outubro.

A mesma decisão já tinha sido tomada na safra anterior. No entanto, desta vez, a decisão é tomada após conhecimento de alguns dados do estudo efectuado na campanha de 2019/2020, apesar “de os olivicultores ainda não terem tido acesso ao conteúdo final do estudo” lamentou ao PÚBLICO Gonçalo Almeida Simões, director executivo da Olivum.

As associações signatárias expressam no acordo sectorial relativo à colheita nocturna no olival, a que o PÚBLICO teve acesso, que se torna evidente “a necessidade de dar continuidade ao primeiro e único estudo científico realizado até à data para que se possam conhecer, com rigor e de forma detalhada, os impactos da colheita nocturna sobre a avifauna dos olivais.”

Num primeiro estudo, realizado na campanha anterior, os proprietários das explorações olivícolas que disponibilizaram voluntariamente o seu olival, e acompanharam as equipas do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), observaram que nos novos olivais se acolhe uma “grande diversidade de espécies de aves”. 

Mesmo assim, o estudo “não permitiu aprofundar o mapeamento desta avifauna que referenciasse as características dos olivais ou dos territórios envolventes”, observa o teor do acordo assinado pelas quatro associações. Acresce ainda que os métodos de espantamento comuns” que foram utilizados no decorrer do estudo “não afugentam todas as espécies de aves que se acolheram nos olivais em observação, sendo ineficazes para um conjunto de aves que acabam por ser impactadas pela colheita nocturna.”

Confrontados com os novos dados, os olivicultores sugerem que a tecnologia utilizada no processo de espantamento “deve ser adaptada às espécies identificadas”, para que seja possível prevenir os “impactos da colheita nocturna sobre todas as espécies de aves que pernoitam nos olivais.”

Aníbal Martins, dirigente da Confagri, adiantou ao PÚBLICO que os estudos que existem “não são conclusivos” sobre o impacto que este tipo de colheita possa ter sobre a avifauna, embora reconheça a existência de impactos mais evidentes nuns olivais que noutros, acrescentando que o problema pode ter maiores consequências quando as manchas de olival se localizam junto a linhas de água.

 “Compatibilizar as práticas agrícolas com a presença nocturna de avifauna no olival” é o objectivo a que se propõem as quatro associações, frisando que “a vontade unânime do sector continua a ser a não perturbação de ecossistemas e de uma saudável convivência entre agricultura e meio ambiente”. Nesse sentido, reiteram a sua disponibilidade para aprofundar o estudo sumário já realizado. E enquanto não houver conclusões mais detalhadas que permitam um “conhecimento seguro e fundamentado sobre as medidas e recomendações de salvaguarda da avifauna” recomendam aos seus associados que “suspendam temporariamente e de forma preventiva a colheita nocturna mecanizada, sempre que exista risco de impacto negativo na avifauna.”

A opção pela figura da suspensão voluntária pretende afastar “a carga negativa” de uma acção proibicionista que pudesse vir a ser tomada pelo Governo na sequência do estudo realizado. O director da Olivum realça a posição do sector olivícola, ao assumir-se como “principal interessado em garantir a preservação dos ecossistemas locais e a salutar convivência entre agricultura e meio ambiente, uma vez que ambos coexistem de forma indissociável.”

O dirigente da Confagri assinala que a auto-regulação é preferível a uma regulação que possa vir a ser decretada pelo Governo, partindo do princípio que “os olivicultores devem ser responsáveis” por travar a morte das aves quando verifiquem a sua presença nas manchas de olival.

Com base nos dados relativos a duas acções de fiscalização efectuadas pelo Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente da GNR (Sepna), entre Dezembro de 2018 e Fevereiro de 2019, “foram constatadas algumas situações” das quais resultou a “morte de aves”. Na sequência desta observação foram elaborados “diversos” autos de notícia por danos contra a natureza, remetidos aos serviços do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Ministério Público de Fronteira, para instrução dos respectivos processos.

Os dados a que a organização ambientalista Quercus teve acesso na altura referiam que foram observadas, “no total, 375 aves mortas”, 140 na intervenção realizada na noite de 27 de Dezembro de 2018 e 235 na acção que decorreu a 2 de Janeiro de 2019. Algumas das espécies de aves afectadas foram o tordo-comum, a milheirinha, o lugre, o pintassilgo-comum, o verdilhão, o tentilhão-comum e a toutinegra.

A estimativa então feita pelos ambientalistas admitia que a recolha mecânica de azeitona durante o período nocturno nos olivais em modo super-intensivo terá provocado a morte entre 70.000 a 100.000 aves na campanha de 2018/2019.  

No outro lado da fronteira, na região autónoma da Andaluzia, a Diretoria Geral de Meio Ambiente, Biodiversidade e Espaços Protegidos, numa resolução aprovada no passado dia 15 de Junho de 2020, optou pela suspensão da colheita mecânica nocturna de azeitona nos olivais super intensivos durante a temporada 2020-2021.

Este organismo concluiu que o sudoeste do continente europeu, devido à sua proximidade com o continente africano, é um local de passagem para milhões de aves migratórias que, vindas das mais altas latitudes da Europa, anualmente atravessam o estreito de Gibraltar para passar o Inverno na África. Os olivais são as únicas áreas arborizadas que fornecem abrigo e descanso para numerosas espécies de aves selvagens.

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