Escultura de um porco com mais de dois mil anos descoberta em Miranda do Douro

Um berrão em granito, com mais de um metro e meio de comprimento, foi descoberto por acaso num terreno agrícola de Duas Igrejas, em Miranda do Douro.

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O acaso colocou a descoberto num terreno agrícola de Duas Igrejas, no concelho de Miranda do Douro, uma figura zoomórfica em granito representando um porco, datável de entre os séculos IV e I a.C., e que mede 1,6 metros de comprimento e pesa mais de uma tonelada.

Trata-se de um berrão, um tipo de esculturas de animais terrestres do período pré-romano que aparecem em Trás-os-Montes e na Beira Interior, e que são ainda mais comuns nas províncias espanholas de Salamanca, Ávila e Cáceres. O exemplar mais conhecido em Portugal é a célebre porca de Murça, ex-líbris da vila e marca de vinho, mas nos dois lados da fronteira apareceram até hoje uns 400 berrões. O animal mais vulgarmente representado é o porco macho, e daí o nome berrão, que designa um porco não castrado. 

Este agora descoberto em Duas Igrejas “foi encontrado ao acaso quando se preparava um terreno agrícola”, destinado à plantação de amendoeiras, contou à Lusa a arqueóloga da Câmara de Miranda do Douro, Mónica Salgado.

A figura tem de 1,60 metros de comprimento, cerca de 80 centímetros de altura e 30 de espessura, adianta ainda esta técnica, segundo a qual “o achado está em boas condições estruturais, apenas apresenta pequenas fracturas na estrutura, e está muito bem elaborado”.

A arqueóloga explicou à Lusa que existem várias teorias quanto ao significado e funcionalidade dos berrões que estão presentes na entrada dos castros, precisando que estas figuras simbolizariam a defesa do povoado e do gado e assumiam posições dominantes em áreas de pastagem e próximas a fontes de água, funcionando como marcadores paisagísticos, monumentos comemorativos ou monumentos sepulcrais.

“Os berrões podem ser representações de touros e porcos, existindo algumas excepções, e apresentam um carácter sacro-religioso, assente na força, virilidade e combatividade”, resumiu Mónica Salgado.

Este berrão mirandês é de dimensões bastante consideráveis. Se se conhecem alguns que chegam a medir mais de dois metros, há também muitos bastante mais pequenos, e alguns que não ultrapassam mesmo os 30 centímetros. Vários deles adornam hoje museus e igrejas.

O arqueólogo Javier Larrazabal, actualmente bolseiro na Universidade do Minho e grande conhecedor da cultura dos berrões, diz ao PÚBLICO que esta está associada sobretudo aos Vetões, um povo céltico pré-romano cuja presença se centrou nas províncias de Ávila e de Salamanca, mas que “parece ter tido algum prolongamento em Trás-os-Montes e na Beira Interior”.

O facto de terem vindo a aparecer, em escavações recentes, cerâmicas atribuíveis aos Vetões na zona de Miranda do Douro vem confirmar a presença deste povo e tornar mais plausíveis achados como o que agora ocorreu em Duas Igrejas, acrescenta Javier Larrazabal.

Realçando a importância da descoberta, este arqueólogo explica que estes achados são especialmente interessantes quando há elementos que indiquem que os berrões foram encontrados nos sítios onde originalmente os colocaram. “Lamentavelmente, aparecem sempre deslocados, e muitas vezes reutilizados em igrejas ou muralhas”, o que torna mais difícil interpretar o significado que possam ter tido.

“Pensa-se que poderão ser marcadores, elementos que marcam visualmente determinados sítios, designadamente áreas de pastagem para o gado ou lugares de passagem nas rotas da transumância”, já que estaríamos a falar de comunidades estabilizadas num território, mas ainda em movimento no seu interior, explica.

Mais tarde, já na época romana, diz ainda Larrazabal, estas mesmas comunidades começam a utilizar estas esculturas essencialmente como monumentos funerários.

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