A desvalorização social e política do desporto

Os governantes com responsabilidades políticas no desporto têm seguramente as melhores intenções e os melhores objectivos para o respectivo sector. Todos procuram ter mais meios, mais recursos e ajudar a encontrar as melhores soluções. Isso não os distingue.

O que os distingue é o que, face à realidade que encontram e aos meios que conseguem juntar, definem como meta para a respectiva governação. Ora, quer os recursos que alocam, quer os objectivos programáticos, quer a própria agenda que conseguem impor são um exercício político no interior do próprio governo. Requerem negociação e consensualização.

Num governo, o actual ou qualquer outro, os seus membros têm distinto peso político e há hierarquias e estatutos diferenciados. Os responsáveis políticos pelo desporto têm uma tarefa árdua. Porque o problema político do desporto é cultural, transversal às diferentes representações políticas não obedece às tradicionais categorias da política. Basta consultar os diferentes programas eleitorais para o constatar. O que conduz a que os responsáveis políticos do desporto participem numa corrida em que uns partem sempre mais à frente.

Nada disto constitui qualquer novidade, mas recordá-lo ajuda a perceber que muitas vezes o combate político tem outras frentes que não apenas a que o espaço público revela. E que a ultrapassagem deste bloqueio pede mais do que um activismo proclamatório.

Governo não trata bem o desporto

A recente apresentação do Programa de Estabilização Económica e Social é apenas um elemento mais revelador do peso político que o desporto tem junto de outros sectores da governação. A sua ausência testa o modo como o governo considera o sector. E como o próprio governo trata aqueles que no seu seio respondem politicamente pelo desporto. E nem sempre trata bem.

A necessidade de o governo garantir que o sector do desporto não fosse afastado da mesa de discussão e, acima de tudo, das medidas de retoma e recuperação planeadas foi uma chamada de atenção das entidades desportivas nacionais, mesmo antes do apelo do Departamento de Economia e Assuntos Sociais das Nações Unidas aconselhando as autoridades governamentais a adoptarem políticas que pudessem proteger o desporto do forte impacto causado pela pandemia de covid-19.

No âmbito da União Europeia, quer o Conselho, a Comissão e o Parlamento Europeu tomaram posições exortando os governos dos Estados-membros a dedicarem uma parte dos apoios comunitários à área do desporto, integrando o sector no pacote de medidas extraordinárias e incentivos para mitigar o impacto da crise.

E os exemplos que começam a chegar de toda a Europa convergem no sentido de apoio público urgente ao desporto, quer na Alemanha, com o programa “Apoia o teu Desporto”, em Inglaterra com o Fundo de Emergência Comunitária ou em França, com o programa “Apoia o teu Clube”, financiados pelos respectivos governos e lotarias nacionais em defesa da sua sustentabilidade. Em Portugal não foram considerados, até à data, referências a seguir.

Nas medidas de confinamento/desconfinamento o governo fez um esforço, que é de louvar, para criar condições excepcionais para os atletas e respectivos processos de preparação desportiva num contexto sanitário complexo. Agilizou também um conjunto de obrigações das entidades públicas desportivas face ao novo quadro existente. Ambas foram positivas. Esperar-se-ia uma continuidade nas medidas de revitalização económica futuras. Mas não foi isso que ocorreu.

Irrelevância política

O desporto ao contrário de outros sectores de actividade do país, não teve por parte do governo qualquer orientação sobre um pacote de medidas de protecção à sua sustentabilidade financeira, antes se optando por aceitar a sua inclusão em medidas de carácter económico–financeiro desenhadas para outras realidades que não a desportiva, pouco compatíveis com sua dimensão social, predominantemente de cariz associativo.

Num período de enorme delicadeza e incerteza, onde a vasta maioria das modalidades desportivas continua sem poder organizar competições, ou as organiza à porta fechada, a ausência de uma resposta governamental agudiza as vulnerabilidades de um sector que representa cerca de 2% do PIB europeu.

No referido Programa de Estabilização, para além de não haver, qualquer referência ao desporto, constata-se ainda que algumas das medidas apresentadas são expressamente financiadas pelas receitas dos jogos sociais cujo volume de negócios assenta, em parte, no produto gerado pelo desporto e as suas competições.

Existe uma conclusão óbvia a extrair desta situação: o governo de Portugal não reconhece ao desporto suficiente importância política para ser incluído no seu Programa de Estabilização Económica e Social. Poder-se-ia argumentar que o documento trataria apenas de sectores transversais mais relevantes no plano económico-social do país. Mas não. Houve escolhas e opções. E algumas referências sectoriais, como o caso da cultura, são um claro sinal de resposta política a contestações que ocorreram recentemente na sociedade portuguesa.

A ausência do desporto, espelha a irrelevância política conferida ao sector e a falta de preocupação demonstrada para com o risco da sua sustentabilidade, mormente num quadro de restrições de saúde pública impostas à sua principal fonte geradora de receitas e valorização de activos.

Mas há uma outra conclusão a retirar: com esta decisão o governo não apenas desvalorizou o desporto como, por arrasto, desvalorizou aqueles que no seu interior respondem politicamente por ele. Será que tomou consciência de ambas as situações?

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