Reinventar-se em tempos de pandemia: do sector imobiliário para a entrega de pão

À imagem do que aconteceu um pouco por todo o país, um casal maiato ajustou-se às necessidades criadas pela pandemia e procurou novas saídas profissionais. Da consultoria imobiliária passaram a entregar pão porta à porta. Hoje acumulam as duas actividades profissionais.

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Passa pouco tempo das 6h e Óscar Belo prepara-se para fazer a última ronda do serviço daquele dia para garantir que todos os seus clientes acordem com pão fresco à mesa sem saírem de casa. A um dia da semana, a um ritmo alucinante, estaciona a carrinha frente às zonas de entrega, abre a mala da viatura, agarra nos sacos previamente separados, tira do bolso uma das muitas chaves de entrada dos vários prédios por onde passa e, uma vez lá dentro, ao longo dos corredores vai pendurando nas maçanetas das portas a encomenda. Tudo isto sem entrar em contacto com nenhum dos clientes, mas ao mesmo tempo preparado para essa eventualidade – na cara usa uma máscara e nas mãos tem um par de luvas calçado, desinfectado antes de cada operação.

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Passa pouco tempo das 6h e Óscar Belo prepara-se para fazer a última ronda do serviço daquele dia para garantir que todos os seus clientes acordem com pão fresco à mesa sem saírem de casa. A um dia da semana, a um ritmo alucinante, estaciona a carrinha frente às zonas de entrega, abre a mala da viatura, agarra nos sacos previamente separados, tira do bolso uma das muitas chaves de entrada dos vários prédios por onde passa e, uma vez lá dentro, ao longo dos corredores vai pendurando nas maçanetas das portas a encomenda. Tudo isto sem entrar em contacto com nenhum dos clientes, mas ao mesmo tempo preparado para essa eventualidade – na cara usa uma máscara e nas mãos tem um par de luvas calçado, desinfectado antes de cada operação.

Há pouco mais de dois meses não sonharia que este agora seria também o seu trabalho. Nessa altura dedicava-se a tempo inteiro à sua actividade principal como consultor imobiliário, que agora acumula com esta nova profissão, inicialmente para ser temporária, mas agora definitiva. Porém, este não é um trabalho estranho para si. Óscar Belo suspeitava que, por afinidade, um dia ia entrar neste negócio, só não sabia quando nem como. Parte da sua família já conhecia este ramo há cerca de 50 anos. Quis o cenário desenhar-se da pior maneira para reunir as condições certas para o fazer.

Há dois meses, por força da declaração de estado de emergência para controlar a disseminação do novo coronavírus, deixou de ser possível marcar visitas presenciais com clientes que procuravam nova casa. Começou aí a desenhar-se a entrada neste negócio. Sónia Costa, 24 anos, sua companheira, também profissional do sector imobiliário, começa a estudar em conjunto com a sua cara-metade uma solução para atenuar a quebra nos rendimentos. O casal, a três meses de ver nascer o primeiro filho, chegou a uma resposta que ao mesmo tempo atendia também às necessidades de muitos dos que estavam confinados em casa e preferiam não sair para as filas de um supermercado ou de uma padaria. Nasce assim nessa altura, na Maia, à imagem do que aconteceu noutras zonas do país, o Pão à Porta. De consultores imobiliários entraram os dois no negócio da entrega ao domicílio deste alimento que, diariamente, continua a fazer parte de muitas mesas portuguesas. O confinamento fez com que muitos optassem por não pôr um pé fora de casa, mas não foi por isso que velhos hábitos se perderam.

Não é um negócio novo. Antes da pandemia já existiam serviços semelhantes, mas agora o mercado expandiu. A mãe de Óscar há vários anos que já faz esse serviço, ainda a pandemia estava longe de ser uma realidade. Mas não foi a primeira pessoa da família a trabalhar no sector. Antes disso, os bisavós foram proprietários de uma padaria. Por sua vez, foi a avó do jovem de 28 anos que deu o primeiro passo para a entrega ao domicílio. “Fazia-o com um carrinho de mão”, recorda Óscar, cuja mãe herdou esse negócio e cedo “triplicou” a base de clientes fixos.

Já o maiato, licenciado em Ciências da Comunicação, começou do zero, ainda que com a facilidade de lhe ter sido passado o contacto da padaria que o fornece, que lhe cede a carrinha com que faz as entregas. “Começámos por criar plataformas online para divulgar o serviço, ainda sem qualquer cliente”, explica. Numa fase inicial, já com fornecedor, chegam a uma dezena de clientes. Para acelerar o processo, além da presença online, passaram a divulgar o negócio porta à porta. “No início foi um desafio porque as pessoas desconfiavam”, conta. Agora, já não é assim.

Com os primeiros clientes assegurados, o boca em boca de vizinho para vizinho transformou-se na via mais fácil para chegar a mais gente. Hoje o casal chega a cerca de 120 famílias, mas alguns não são clientes diários – preferem receber a encomenda em dias específicos da semana. Diariamente, são 95 as casas por onde passam. Além de entregarem pão e outros artigos de padaria e pastelaria também deixam na casa de alguns clientes outro tipo de produtos, nomeadamente de mercearia. Inicialmente, quando começaram o serviço, a ideia seria colmatar as necessidades de pessoas que não saíam de casa, sendo que a entrega de pão seria a que tinham identificado como uma das que tinha mais procura.

Dia começa de madrugada

O dia começa cedo para o casal. De madrugada, às 3h, começam por separar o pão por sacos, de acordo com cada pedido. À medida que os clientes foram ganhando confiança, para facilitar o processo e para não terem de acordar propositadamente para receber o pão, foi recebendo as chaves das entradas dos prédios. Por volta das 4h, liga-se o motor da carrinha para arrepiar caminho pelas freguesias de Nogueira da Maia, Milheirós e Gueifães, garantindo que os pedidos são entregues até às 8h. Esta é uma missão que, salvo “raras excepções” não tem falhado. No dia em que o PÚBLICO acompanhou o serviço um incidente inesperado aconteceu – a chave do carrinha caiu no poço de um elevador, o que obrigou a um compasso de espera para que chegasse a suplente. Mas nada que tivesse posto em causa o cumprimento do horário - por volta das 7h30 todas a entregas estavam feitas.

O casal trabalha em equipa. Não desistiram da actividade profissional principal e dividem o horário de forma a conciliarem as duas actividades. Por isso, durante a semana, actualmente só Óscar é que sai para as entregas. Ao fim-de-semana, Sónia também o faz. Durante a semana concentra-se mais na consultoria imobiliária.

Sector imobiliário a normalizar

Esta é uma actividade que aos poucos começa a entrar na normalidade. Durante o período de confinamento explicam ter sido necessário dar a volta ao método de trabalho. Não sendo possível mostrar presencialmente os imóveis aos clientes, optou-se por fazer visitas recorrendo ao digital. Mas mal foi levantado o estado de emergência, diz Óscar que conseguiram fechar dois contratos. Curiosamente, afirma, precisamente porque as pessoas passaram muito tempo fechadas em casa, aumentou a procura por espaços com áreas ao ar livre. “Há mais gente a tentar trocar o apartamento por moradias”, diz.

Se é fácil fazê-lo numa altura em que poderá existir uma retracção no investimento nesta fase já é outra conversa. Porém, adianta não terem notado neste início do regresso à normalidade possível uma diferença muito grande nas chamadas que lhes chegam de potenciais compradores de imóveis. Por outro lado, diz que as avaliações feitas para aceder ao crédito estão a ser realizadas um pouco abaixo do valor anterior aos meses do início da pandemia.

Nos últimos meses, a rotina do casal alterou-se por completo. Adaptaram-se a uma nova realidade e por isso a semana de trabalho esticou e o horário diário também. São mais horas que passam acordados, num sacrifício pessoal de antecipação de tempos mais difíceis que poderão chegar para todos. Perguntamos se o número de horas que passam agora acordados é uma espécie de estágio para o que se avizinha com a chegada do primeiro filho. Sónia, não tem dúvidas de que esta é uma boa preparação. Outra dúvida que o casal não tem é que vão continuar a acumular as duas actividades que agora desempenham. A médio prazo há um objectivo para a entrega de pão à porta: “Queremos expandir para outras freguesias do concelho”, adianta Óscar.