O melhor são as pessoas, sempre!

Quando me pedem que evoque boas memórias, experiências que perduram, o que de imediato me vem à cabeça são mesmo as pessoas. O convívio com gente da melhor qualidade, aqueles que valorizam as circunstâncias, nos enchem a alma e enriquecem a vida.

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Fernando Guedes, no mural que Vhils lhe esculpiu na sede da Sogrape Nelson Garrido

Numa daquelas incursões entre mar e dunas pelo Nordeste brasileiro, tocou parar numa das populares “pousadinhas”. Contexto paradisíaco, refeição básica com o que a natureza oferece. Peixe e palmito frito, mais cerveja para acompanhar. E fruta? Ah, isso aqui não dá. Mas não dá fruta? Não, aqui não dá. E já plantaram? Ah, isso aí dá… se plantar dá!

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Numa daquelas incursões entre mar e dunas pelo Nordeste brasileiro, tocou parar numa das populares “pousadinhas”. Contexto paradisíaco, refeição básica com o que a natureza oferece. Peixe e palmito frito, mais cerveja para acompanhar. E fruta? Ah, isso aqui não dá. Mas não dá fruta? Não, aqui não dá. E já plantaram? Ah, isso aí dá… se plantar dá!

Pois é, as pessoas, aqueles que cuidam da árvore e potenciam o contexto, acabam por ser sempre o mais decisivo. E sem eles as boas experiências nunca seriam as mesmas. E nem assim tão boas.

Quando me pedem que evoque boas memórias, experiências que perduram, o que de imediato me vem à cabeça são mesmo as pessoas. O convívio com gente da melhor qualidade, aqueles que valorizam as circunstâncias, nos enchem a alma e enriquecem a vida. Que nos fazem mais sabedores, confiantes e conhecedores.

Um dos nomes que logo me vem à cabeça é o de Fernando Guedes. Confesso que sou fascinado pela sua simplicidade acolhedora e sabedoria acutilante. É claro que nada nele era inocente, a sagacidade e o espírito de negócio com que fez da Sogrape um dos grandes players mundiais do vinho eram-lhe indissociáveis. Mas fazia-o de forma tão natural, terna e convivial, que cada momento ao pé dele era uma lição, fosse com Mateus Rosé ou Barca Velha.

Gosto que venham, de estar aqui com vocês. Andam por muito lado, provam muitas coisas e por isso gosto de conversar com vocês, dizia aos jornalistas, sempre jovial, atento ao mundo e aberto às novidades. Ousado e inovador, assim o perpetua também agora o mural que Vhils lhe esculpiu na sede da empresa, um belo e auspicioso tributo da família.  

Gente de cativante simplicidade foi também a que encontrei no Pico, nos Açores, onde da pedra se fez vinho. Vinhas heróicas criadas em solos de rocha vulcânica que a UNESCO reconheceu com Património da Humanidade e cuja memória foi e é guardada por produtores como Fortunato Garcia (vinhos Czar) ou Leonardo Ávila (Adega Buraca). Gente única e inesquecível, tal como alguns dos vinhos da ilha.

A mesma reconfortante raridade nas passagens pelo Solar Bragançano, onde Desidério Rodrigues e a mulher, Ana Maria, sempre nos enchem a alma. Um conforto que não é só a comida. Também a delicada fidalguia como a todos recebem, que se prende à memória e nos toca até à emoção. E o mesmo vale para o casal Palmira e  José António, que no restaurante Bocados, em Ponte de Lima, em vez de clientes recebem amigos que se juntam para partilha e convívio à volta da mesa.

Pelas pessoas, grata é também ainda a memória da passagem por casas como o Afonso, em Mora, o Ideal, em Cabanas de Tavira, ou ainda o Mário Luso, nos Carvalhos. Fomos sempre pela comida, claro, mas a memória destaca as pessoas, que, frise-se, nunca souberam quem éramos ou ao que íamos.

Afonso, fundador do restaurante que honra a gastronomia do Alentejo, que face à admiração pela abrangência e qualidade da carta de vinhos nos guiou no final da refeição de visita à adega. A quase octogenária mas sempre atenta e espevitada dona Arménia – a “Méninha do Luso” -, que só com a publicação da crónica viu respondida a sua curiosidade e lavrou depois em versos as suas cogitações, que pelo Correio fez chegar à redacção. Uma ternura.

Não se apaga da memória também a feliz serenidade do casal proprietário do Ideal, que sem lugares e com a casa a abarrotar nos convidou a partilhar a sua mesinha ao pé do balcão de serviço. Nunca terão também feito ideia de quem ali se sentou, mas ficaram seguramente felizes por nos verem agradados e satisfeitos.

A natureza até pode ser propícia, mas para que dê frutos é sempre preciso cuidar da árvore.

José Augusto Moreira integrou a equipa fundadora do PÚBLICO e assina textos na Fugas com regularidade desde 2008.