Os perigos do regresso à “normalidade”

Se o país levou muito a sério a ameaça do vírus e o conteve, terá de ser capaz, agora, de se manter alerta para gerir o seu potencial de destruição. Vencemos a primeira batalha, mas a guerra é longa e dura.

Era inevitável e o Governo foi tratando de preparar os portugueses para um lento regresso à normalidade possível. Há neste passo um risco imenso de se perder o que se conseguiu com esforço, disciplina e sacrifício. Se hoje Portugal é um caso de sucesso na contenção dos danos do novo coronavírus, se foi possível “aplanar” a curva das infecções, limitar a mortalidade e gerir com folga os recursos do Serviço Nacional de Saúde, é bom que todos e cada um de nós se convençam de que todos estes resultados são voláteis. É crucial que a atitude e a maturidade que a sociedade portuguesa revelou nestes quase 40 dias de estado de emergência se mantenham.

Não é o Governo que tem a chave para o sucesso da fase de abertura que hoje se anuncia: são as pessoas. Acreditar que os resultados obtidos até agora são uma garantia de que o pior já passou é um primeiro passo para o desastre. Pensar que, depois de controlada a curva, já se pode regressar à vida descontraída de outrora vai alimentar os fluxos de propagação do vírus e impor o regresso de medidas mais drásticas de confinamento. Julgar que o levantamento de restrições mais severas, abrir as lojas de bairro ou aprovar o regresso de uma parte dos nossos alunos às escolas legitimam o retomar da nossa vida social normal é condição para que o contágio acelere e o medo de Março se reinstale. O que acontecer a seguir não vai depender das medidas do Governo ou do empenho das autoridades sanitárias: está nas nossas mãos e na nossa responsabilidade.

O desafio que se anuncia com o regresso da normalidade possível é enorme. O Governo faz o seu papel, abdica da emergência mas preserva o estado de calamidade, determina regras, faz avisos, nota que poderemos ter de dar passos atrás. Mas é possível que o afrouxamento das medidas leve as pessoas cansadas do confinamento, emocionalmente afectadas pela distância dos amigos ou familiares e angustiadas com a negra realidade em que vivem interpretem essa distensão como um sinal de que aperto acabou. O maior movimento nas ruas das cidades ou os passeios à beira-mar são disso um sinal claro. Vencer essa percepção que resulta mais do desejo do que da realidade vai ser difícil. Mas é crucial. Se o país levou muito a sério a ameaça do vírus e o conteve, terá de ser capaz, agora, de se manter alerta para gerir o seu potencial de destruição. Vencemos a primeira batalha, mas a guerra é longa e dura. O pior que cada um de nós pode fazer é baixar a guarda. 

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