Trabalhar durante a pandemia, mesmo que só remotamente, é melhor para a saúde mental

Os mais velhos parecem sofrer menos consequências psicológicas com o isolamente social. Ajuda ter um jardim mas demasiada informação sobre a covid-19 tem um efeito negativo.

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paulo pimenta

Continuar a trabalhar, mesmo que seja apenas em forma de teletrabalho, é um dos factores que parece estar a proteger psicologicamente os portugueses durante o confinamento decretado pelo estado de emergência, segundo os primeiros resultados de um estudo conduzido pela Escola de Medicina da Universidade do Minho.

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Continuar a trabalhar, mesmo que seja apenas em forma de teletrabalho, é um dos factores que parece estar a proteger psicologicamente os portugueses durante o confinamento decretado pelo estado de emergência, segundo os primeiros resultados de um estudo conduzido pela Escola de Medicina da Universidade do Minho.

Os resultados do inquérito que envolveram 1280 pessoas mostram também que a prática de exercício físico é outro indicador positivo para a saúde mental durante o isolamento. Tal como ter um jardim também surge associado a melhores indicadores globais em termos de ansiedade, depressão e stress.

Quanto aos factores negativos, a equipa liderada pelo psiquiatra Pedro Morgado e pela neurocientista Maria Pico-Pérez revela que o tempo de consumo de informação nos media e redes sociais sobre a covid-19 parece influenciar a saúde mental dos participantes, segundo o comunicado do Instituto de Ciências da Vida e Saúde da Escola de Medicina da Universidade do Minho: “Aqueles que passam mais de uma hora a consumir este tipo de informação apresentam piores indicadores globais de saúde mental em todas as categorias estudadas” — ansiedade, depressão, stress, sintomas obsessivo-compulsivos.

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Os dados analisados, que dizem apenas respeito à primeira semana do estudo, entre 23 e 30 de Março, mostram também que “os homens apresentam melhores indicadores de saúde mental do que as mulheres em termos médios, o que acompanha as tendências que se verificam fora deste contexto de isolamento e pandemia”. Quanto aos níveis de ansiedade, depressão, stress e sintomas obsessivo-compulsivos, os indicadores mostram que diminuem gradualmente com a idade, uma tendência surpreendente que deverá ser analisada com maior pormenor nas próximas semanas. O inquérito que está a ser respondido online envolve centenas de perguntas que vão variando e está previsto que dure até ao final do estado de emergência em Portugal.

Entre as 289 pessoas que respondem que pararam de trabalhar por causa da pandemia, o estudo encontra em média mais sintomas de ansiedade, depressivos e também obsessivo-compulsivos do que nas 994 que continuam a trabalhar, explica Pedro Morgado ao PÚBLICO. O investigador alerta para o facto de as escalas utilizadas para elaborar o estudo não permitirem, por si só, estabelecer um diagnóstico de depressão ou de perturbação de ansiedade. “Indicam que existe uma maior probabilidade de um maior número de pessoas que deixou de trabalhar sofrer dessas doenças”, continua o psiquiatra.

Sobre os gráficos divulgados e alguns aqui publicados, a equipa fez ainda um trabalho estatístico em cima dessas comparações que lhes permitiu verificar que os factores positivos ou negativos funcionam de uma forma independente uns dos outros. “A pessoa que tem jardim, independentemente de estar a trabalhar ou não, tem melhores condições de saúde mental do que aquela que não tem.”

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Entre os inquiridos, 669 pessoas revelaram que não têm jardim, um número ligeiramente inferior às 611 que responderam afirmativamente, embora este indicador deva por agora ser valorizado com cuidado: “Poderá haver uma tendência para as pessoas que têm jardim nas suas casas terem melhores condições de vida e isso também influencia a saúde mental das pessoas. Como é uma observação num único momento deste conjunto de pessoas, a única coisa que podemos dizer é que há esta associação. Não podemos dizer que é por causa do jardim que as pessoas estão melhores.” Nas próximas semanas os dados deverão ficar mais claros, assim como os relativos à presença de animais domésticos.

Quantos aos mais velhos mostrarem menos factores de risco de doença mental perante o isolamento, Pedro Morgado confessa que ficou surpreendido com o resultado: “É preciso destacar que esta não é uma amostra representativa e que as pessoas de mais idade que responderam fizeram-no através da Internet. Isso pode significar um viés em relação ao conjunto de pessoas que responderam. Por outro lado, também estamos a reflectir sobre possíveis razões para isto: a verdade é que muitas das pessoas dessa faixa etária tiveram menos alterações no seu estilo de vida do que as pessoas mais jovens. É um dado que para nós despertou alguma curiosidade e tem que ser melhor trabalhado.”

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Por último, os investigadores, que entretanto já somam 2000 inquiridos, também destacam que aqueles que suspenderam “as suas consultas de psicoterapia apresentam piores indicadores do que aqueles que mantêm contacto online ou telefónico com os seus psicólogos”.