No SÁLA, um chef holandês cozinha com tremoços, carabineiro e leitão

João Sá recebeu Jonathan Zandbergen para um jantar a quatro mãos que começou com uma visita ao Mercado do Livramento, em Setúbal.

Foto
João Sá com Jonathan Zandbergen Frederico Van Zeller

Nota: Colaborando com as medidas de contenção e prevenção da covid-19, o SÁLA optou por fechar temporariamente as portas (actualizações no Facebook do restaurante).

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Nota: Colaborando com as medidas de contenção e prevenção da covid-19, o SÁLA optou por fechar temporariamente as portas (actualizações no Facebook do restaurante).

São 11h da manhã de sexta-feira, 28 de Fevereiro, e, no SÁLA, o restaurante de João Sá, em Lisboa, a equipa está reunida em torno de uma mesa, ouvindo um holandês alto, de olhos claros e voz calma, a apresentar as suas ideias para os dois jantares que serão servidos nessa noite e na seguinte.

Jonathan Zandbergen, que desde 2015 está à frente do restaurante Le Merlet, em Schoorl (uma estrela Michelin desde 1998), na Holanda, é o primeiro convidado de João Sá para uma série de jantares a quatro mãos com chefs estrangeiros. Começou muito jovem – aos 14 anos já trabalhava em restaurantes e aos 23 era chef de cozinha – e em 2017 foi considerado o “Chef Mais Talentoso” pelo Guia Gault & Millau.

Foto
João Sá levou o seu convidado a conhecer os produtos portugueses no Mercado do Livramento, em Setúbal Frederico Van Zeller

Para João Sá, receber um colega de outro país e cozinhar com ele é uma forma de mostrar o que Portugal tem de melhor, mas também uma oportunidade. “Espero aprender sobretudo com a maneira de ele pensar”, explica o português. “Como é que uma pessoa de fora olha para os nossos ingredientes?”.

Começaram, na véspera do primeiro jantar, por uma visita ao Mercado do Livramento, em Setúbal. Foi o primeiro contacto de Jonathan com produtos portugueses, sobretudo peixe e marisco. O que se propôs fazer em Portugal foi seguir a sua linha de cozinha – base francesa, mas aberta a sabores variados, sobretudo os asiáticos e em particular os japoneses –, adaptando-a aos ingredientes portugueses.

Fotogaleria
Frederico Van Zeller

Disse a João Sá que gostava de usar azeitonas para dar um sabor salgado a um dos pratos. O português sugeriu-lhe que experimentasse tremoços. E assim, com tremoços portugueses e especiarias asiáticas, surgiu o primeiro prato da noite, uma tartelete de tremoço com “especiarias das 1001 noites”.

Na reunião da manhã, Jonathan já tinha ideias claras sobre o que pensava fazer, mas confessava que ainda teria que testar, porque era a primeira vez que ia trabalhar aqueles produtos. “Talvez seja preciso fazer ajustes.” O que sabia com certeza era que a apresentação ia seguir a lógica do trabalho que faz no seu restaurante, com muitos mosaicos feitos com os próprios produtos – e neste caso inspirados nos azulejos das fachadas de Lisboa.

Assim era a colorida tartelete, tal como depois o mosaico de carabineiro recheado com tártaro de barriga de espadarte ou o tamboril escalfado com carpaccio de polvo e caldo de açaflor. “Adoro carabineiro”, entusiasma-se Jonathan. “Nunca o usamos na Holanda porque não o temos, mas em Portugal quero usá-lo.” E quer manter o “sabor puro” do carabineiro. Essa é, aliás, uma das marcas da sua cozinha: um respeito pelo “sabor puro dos produtos”, a par das sólidas bases francesas, sobretudo os molhos e caldos.

Noutra das entradas usou queijo de Azeitão, a rechear um palito coberto de paprika defumada, que apresentou antes de um sashimi de pargo com vinagrete de ponzu. Uma das combinações mais interessantes foi o chawan mushi (creme de ovos japonês) que Jonathan fez com bivalves portugueses.

Fotogaleria
Frederico Van Zeller

Outro ingrediente com o qual não trabalha na Holanda é o leitão, que no SÁLA apresentou com maçã confit, melaço de romã e umeboshi, o complexo molho de sabor ao mesmo tempo doce, ácido e salgado criado a partir de um tipo de ameixas japonesas – caseiro, feito no Le Merlet e um dos poucos ingredientes trazidos por Jonathan para Portugal.

Também as sobremesas permitiram ao holandês descobrir mais sobre ingredientes portugueses. A primeira juntou ananás dos Açores com sericaia e gengibre (e poejo, outra descoberta). E a segunda fez um cruzamento bastante mais improvável, mas que, surpreendentemente, resultou bem: pão-de-ló com gelado de trufa e telha de tupinambor.