Serão bons os argumentos contra a eutanásia?

Uma pessoa em estado terminal merece igualmente o mesmo respeito de uma pessoa que tem a sorte de estar saudável. E é possível argumentar que respeitar a pessoa tem como consequência respeitar a autonomia da mesma com respeito à própria vida.

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Um dos argumentos centrais contra a eutanásia está relacionado com a ideia de que a vida humana é a fonte de todo o sentido ou valor e, por isso, a verdadeira autonomia não pode escolher a morte. Assim, acusa-se quem defende a eutanásia de parecer estar comprometido com a ideia implausível de que alguns tipos de vida humana não têm sentido ou valor.

Contudo, como crítica, pode salientar-se uma ambiguidade na expressão “sentido da vida” ou “valor da vida”. Por um lado, (1) podemos usar “sentido da vida” ou “valor da vida” para nos referirmos à qualidade de uma vida. E isso é uma questão de grau: há vidas que correm melhor e outras que são uma angústia tremenda, tanto a nível físico como psicológico. Por outro lado, (2) podemos usar “sentido da vida” ou “valor da vida” para referir a dignidade da pessoa que vive, do sujeito que tem a vida.

Ora, quem defende a eutanásia voluntária pensa que há vidas sem valor ou que algumas vidas não têm sentido apenas na concepção (1), ou seja, há vidas com qualidade expectável tão negativa que são globalmente más. Mas quem defende a eutanásia não tem que (nem sequer deve) pensar que nem todas as pessoas têm a mesma dignidade. Ou seja, quem defende a eutanásia não está, nem deve estar, comprometido com uma resposta negativa a (2). Assim, uma pessoa em estado terminal merece igualmente o mesmo respeito de uma pessoa que tem a sorte de estar saudável. E é possível argumentar que respeitar a pessoa tem como consequência respeitar a autonomia da mesma com respeito à própria vida.

Um outro argumento central contra a eutanásia parte da ideia de que, dada a sacralidade da vida humana, o direito à vida é inalienável, ou seja, é algo a que não se pode renunciar; como a eutanásia implica que se abdique do direito à vida, conclui-se que tal prática seria imoral. Contudo, esse argumento tem problemas óbvios. Se aceitarmos que o “direito à vida” é em si mesmo inalienável e absoluto, então parece que também temos de aceitar que será errado tudo o que coloque em cause esse direito. Assim, supostamente seria moralmente errado tomar certo tipo de medicamentos para aliviar os sofrimentos insuportáveis de uma pessoa terminal, dado que tais medicamentos têm em geral como consequência abreviar a vida e, por conseguinte, acabam por constituir um meio para se abdicar do direito à vida.

Contudo, o crítico da eutanásia pode contra-argumentar que matar um indivíduo é substancialmente diferente de permitir que ele morra. Assim, mesmo que seja moralmente permitido que um indivíduo morra ao desligarem-se as máquinas que lhe dão suporte vital, pode mesmo assim não ser permissível matar um indivíduo quando o médico pressiona no botão ou lhe dá uma injecção letal. Isto é semelhante a dizer que mesmo que a eutanásia passiva seja permissiva, a eutanásia activa não o é.

Mas fará sentido defender que tal distinção entre matar e deixar morrer é moralmente significativa? Tal distinção, a partir de um ponto de vista de uma ética consequencialista, não é moralmente significativa, pois leva às mesmas consequências. Todavia, a partir de uma abordagem deontológica, pode aceitar-se que essa distinção entre matar e deixar morrer tem significado moral. Aliás, uma tal distinção é uma instância de uma distinção mais geral entre fazer e permitir, intenção e efeito meramente previsto.

Porém, esta distinção entre fazer e permitir deve ser invertida nos casos em que o resultado é bom em vez de ser mau, pois beneficiar alguém de forma activa deve, em princípio, ser melhor do que apenas permitir que alguém seja beneficiado. Ora, como nos casos de eutanásia voluntária em geral o resultado é supostamente benéfico e não prejudicial, e se beneficiar um indivíduo é melhor do que permitir que seja beneficiado, então segue-se que a eutanásia activa é melhor do que a eutanásia passiva. Isto é, pode haver casos em que beneficiaria melhor o indivíduo se, a seu pedido informado e expresso, o médico lhe desse, por exemplo, uma injecção letal de forma a acabar rapidamente com o sofrimento tormentoso, em vez de retirar as máquinas de suporte vital, o que implicava uma morte mais lenta e talvez mais dolorosa.

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