Ministério Público duvida das palavras de José Eduardo dos Santos

Ex-presidente diz que deu ordem para transferir os 500 milhões de dólares do Fundo Soberano. Juiz suspende julgamento do filho do ex-Presidente e do ex-governador do banco central para verificar autenticidade da carta.

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José Eduardo dos Santos respondeu por escrito no processo em que também está a ser julgado o seu filho José Filomeno dos Santos (Zenu) TIAGO PETINGA

A carta de José Eduardo dos Santos, lida esta terça-feira, em tribunal confirma que foi ele quem deu a ordem de transferência dos 500 milhões de dólares do Fundo Soberano para Londres. Mas o Ministério Público (MP) angolano duvida da autenticidade da carta e o juiz resolveu suspender a sessão para averiguar se as palavras do ex-Presidente de Angola foram mesmo escritas ou ditadas por ele.

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A carta de José Eduardo dos Santos, lida esta terça-feira, em tribunal confirma que foi ele quem deu a ordem de transferência dos 500 milhões de dólares do Fundo Soberano para Londres. Mas o Ministério Público (MP) angolano duvida da autenticidade da carta e o juiz resolveu suspender a sessão para averiguar se as palavras do ex-Presidente de Angola foram mesmo escritas ou ditadas por ele.

“Confirmo, sim, ter autorizado o governador Valter Filipe a tratar das formalizações desse fundo de investimento. E também pedi que o mesmo fosse ultra-secreto porque só depois é que seria formalizado publicamente”, refere a missiva do ex-chefe de Estado, questionado pelo tribunal por escrito a pedido da defesa de Filipe.

“Também pedi ao governador Valter Filipe para entregar todo o processo ao actual Presidente da República e ao novo Executivo”, acrescenta a carta.

As declarações de José Eduardo dos Santos dão razão à tese de defesa do ex-governador do BNA e de José Filomeno dos Santos (Zenu), antigo presidente do Fundo Soberano de Angola (PDVSA) e filho do ex-Presidente, de que a decisão da transferência dos 500 milhões de dólares, destinados a um alegado fundo de investimento para conseguir divisas para Angola que se veio a descobrir ser fraudulento (o dinheiro acabaria por ser devolvido a Luanda pelas autoridades britânicas), teria sido tomada pelo chefe de Estado e, como tal, não haveria qualquer crime.

A acusação de Zenu dos Santos, Valter Filipe, o empresário Jorge Gaudens Sebastião, e o antigo director do departamento de gestão de reservas do BNA, António Samalia Bule Manuel, contestou a veracidade da carta enviada ao Tribunal Supremo e assinada por José Eduardo dos Santos. Perante esse protesto, os juízes decidiram suspender a sessão e mandar analisar o documento para confirmar da sua veracidade.

Uma atitude que mereceu o protesto de Sérgio Raimundo, o advogado de Valter Filipe, que tinha solicitado o envio das perguntas ao ex-chefe de Estado, actualmente a residir em Barcelona, alegadamente por questões de saúde.

“A justiça não se faz só com condenações, também se faz com absolvições”, afirmou o jurista aos jornalistas, citado pela Lusa, para quem o MP “está virado apenas para uma direcção, que é condenar pessoas”.

“O meu constituinte só agiu em nome da representação do Estado por mandato do então titular do poder executivo”, explicou Sérgio Raimundo, insistindo naquela que tem sido a sua tese desde o princípio e que referiu em recentes declarações ao PÚBLICO: “O processo é juridicamente inexistente” porque o ex-governador se limitou a cumprir ordens superiores.

Além disso, a transferência dos 500 milhões de dólares, de acordo com o advogado, destinavam-se não a beneficiar os arguidos no processo, mas visavam o benefício do país, ao se destinarem a conseguir as divisas que escasseavam em Angola.

Exactamente aquilo que a missiva de José Eduardo dos Santos, lida em tribunal, sublinha: tudo foi feito em benefício do país e os decretos presidenciais estavam a ser preparados para autorizar e formalizar o processo, contrariando a tese do MP de que a transferência tinha sido feita na clandestinidade.

Valter Filipe afirmou numa das anteriores sessões do julgamento que todo o processo era do conhecimento do seu sucessor à frente do banco central angolano, José de Lima Massano, que já interveio em tribunal como testemunha. “Antes de sair do BNA informei o actual governador sobre a operação e deixei claro que estava disponível para esclarecer qualquer dúvida sobre o andamento do processo”, disse Filipe.