A memória e o esquecimento, pares e álibis um do outro

A memória e o esquecimento são o tema central da oitava edição da Revista Electra que, entre muitos outros, também destaca o direito à opinião e os limites à liberdade de expressão.

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Na altura em que se assinalam os 75 anos da libertação do campo de concentração nazi de Auschwitz-Birkenau faz sentido falar da importância da memória colectiva. É através dela que se olham os acontecimentos históricos e se organizam as interpretações que serão entregues às gerações vindouras. 

Sob o signo da memória e esquecimento do tempo, José Manuel dos Santos e António Soares assinalam, no editorial, o ano que começou, referindo que “nesta passagem exposta há uma paragem escondida que faz do tempo uma voz íntima a lembrar o que esquecemos”.

A memória tem uma forte componente social e está muitas vezes preservada em suportes físicos, como arquivos, inventários e museus. Por perceberem a sua importância, os regimes totalitaristas tentaram controlar a memória e o esquecimento.  É destes temas que se ocupa a Electra nº8, da Fundação EDP, que já pode ser encontrada nas bancas e livrarias, com um custo de 9 euros.

A memória dos tempos

O editor António Guerreiro abre a secção “Assunto”, começando por definir conceitos importantes para a discussão, como Memória Colectiva, Cultural e Comunicativa, entre outros. Aborda também a temática do Nazismo, para frisar que “os testemunhos dos sobreviventes do Holocausto foram decisivos para que a questão da memória entrasse com grande impacto na esfera pública”.

A sua entrevista ao grande historiador francês François Hartog complementa o texto de abertura, alargando a análise ao campo da história. O autor tem várias publicações onde analisa o papel da memória, que entende sobretudo como um “instrumento presentista”. António Guerreiro conduz a conversa nessa direcção, com Hartog a defender que “a memória, num tempo em que a categoria do presente se tornou dominante, é um meio de convocar certos momentos do passado no presente, quase sempre dolorosos, traumáticos, esquecidos”.

Noutras abordagens, Bernd Stiegler, um importante teórico e historiador dos media, faz uma ligação entre “Fotografia e Esquecimento”, enquanto o historiador italiano Enzo Traverso escreve sobre “A viragem melancólica: Memória e utopia do século XXI”. Já Carla Ganito, da Universidade Católica, aborda a memória e esquecimento na era digital. Numa análise complexa, assinala que se impõe “uma reflexão: saber se queremos trocar o controlo e a segurança pela incapacidade de esquecer, isto é, pela persistência da memória”. Maria Filomena Molder reflecte sobre a “força da memória e das modalidades e instrumentos mnemotécnicos”.

Direito de opinião e muito mais

Um tópico também com grande destaque é o direito de opinião, a partir do qual se questionam os limites à liberdade de expressão. O jornalista espanhol Francisco Alba e o jurista português Rui Patrício assinam “Quando é que a opinião é crime?”, um debate bastante actual.

No habitual Portfólio, o protagonista é o artista libanês Walid Raad. A guerra é um dos temas mais marcantes da sua obra, onde se debruça sobre as suas causas e consequências, e podemos encontrar vários significados antropológicos e sociais, além de filosóficos, estéticos e psicológicos. Nesta edição, publica-se uma importante entrevista com o escritor marroquino Abdellah Taïa que fala de um “mundo que não coincide exactamente com o modo como o Ocidente o constrói”.

Na secção “Livro de Horas”, o ensaísta e professor Silviano Santiago escreve um diário, onde os acontecimentos da sua vida pessoal se cruzam com a tensa vida política e cultural do Brasil. Por seu lado, Sarah Singh, fotógrafa, pintora e realizadora indiana, estreia uma nova secção da revista, “Furo”, que visa mostrar criações originais inéditas de autores. A autora partilha um olhar exclusivo sobre o seu próximo filme, “Alexandra”, que começou a ser imaginado há 12 anos e se encontra agora em filmagens.

Também estão presentes nesta edição Dan Unguarianu, Bernardo Futscher Pereira, Catherine Millet, Carlos Manuel Álvarez e Jörg Rüpke. São mais de 200 páginas sobre economia, filosofia, cultura, política, arte e sociedade. (caixa sobre os locais onde pode encontrar a Electra à venda).