21 desabafos de polícias

Muitos polícias escreveram longos emails sobre o seu quotidiano. Excertos de alguns.

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Recebi 40 emails a comentar o coffee break sobre o Chega e as forças de segurança, a maior parte enviados por polícias. Um deles vinha assim identificado: “Subject: Desabafos de um Polícia.”

São longos emails, alguns com mais de dez mil caracteres. Andei às voltas a pensar o que fazer com os retratos que contam. Decidi fazer a coisa mais simples. Dar-lhes voz.

— “Chegamos a estar três semanas sem viatura, porque a que tínhamos avariou e não havia outra para substituir.”

— “Cheguei a conduzir carros com os arames dos pneus de fora de tão carecas que estavam, carros que o fumo dos motores era, de uma forma que não consigo explicar, enviado para o interior do carro; outros em que, após ouvir um barulho estranho, percebi que os apoios do motor eram duas braçadeiras de plástico.”

— “Nas polícias, vende-se muito a imagem. Quando há cerimónias, mandam-nos guardar/esconder os carros ‘velhos’. Já me aconteceu sair uma roda do carro em andamento. Carros a passar os 400 mil e sem verba para manutenção.”

— “Ser chamado a um bar para retirar de lá um indivíduo a quem foi negado a venda de mais bebidas alcoólicas, por se encontrar em visível estado de embriaguez e ter cometido desacatos, pode ter vários desfechos: a pessoa pode sair sem problemas, a pessoa pode bater com a própria cabeça no balcão e depois ir fazer queixa de que foi agredido (sim, as pessoas fazem isso), a pessoa agredir os agentes da autoridade ou tentar esfaqueá-los.”

— “É verdade que os polícias compram coletes. Sãos os coletes balísticos da categoria III-A para uso interior, ou seja, veste-se uma T-shirt de manga curta, coloca-se o colete e depois o pólo do uniforme. Este colete custa entre 700 a 1000 euros e há lojas autorizadas que os vendem a prestações. Os que custam 700 euros não são contra espigões, ou seja, não protegem de uma faca. Os mais caros têm tecnologia que protegem tanto das balas como das facadas.”

— “A PSP já começou a fornecer algemas, só que em número insuficiente. Damos a volta à questão e compramos braçadeiras de plástico. São muito leves e mais eficientes do que as metálicas. O problema é que quando se liberta o detido, a braçadeira vai para o lixo porque tem de ser cortada.”

— “Quando cheguei a Lisboa fiquei abismado com as condições do edifício no qual presto serviço, ao perceber que nem papel higiénico tinha. Tive de descobrir também um jogo novo enquanto estou na sanita: o jogo do Calca Barata. Até é engraçado as primeiras vezes. Depois cansa. Tive ainda o prazer de partilhar a minha refeição com um rato. Na altura, todos achámos piada, mas depois dei por mim a pensar: ‘Que miséria, tenho que me rir para não chorar.’”

— “Um destacamento da GNR inaugurado não há muito tempo e é só infiltrações. Nestes dias que tem chovido, é agua por todo o lado!”

— “Há pouco tempo fui ao Comando da GNR do Porto e dei conta de instalações sem as mínimas condições. Insalubres.”

— “A cadeira onde me sento para fazer o expediente está velha e rasgada, mas é das poucas que temos. Fui eu que a levei para lá, quando comprei uma nova para estar ao computador em casa.”

— “Na minha esquadra há cinco ou seis computadores: um para o comandante, dois para a secretaria, um para o graduado de serviço, outro para o adjunto do comandante e, por fim, o da patrulha. Adivinhe qual é que tem mais de 10 anos e funciona com o Windows XP? Claro: o da patrulha. Quantas horas perdidas num computador que, após quase estar a terminar um expediente, se desliga ou encrava.”

— “É impressionante a quantidade de pessoas afectas a introduzir dados em sistemas redundantes e de forma complexa para as estatísticas.”

— “Uma bela madrugada, quando me preparava para entrar ao serviço no turno 00h-8h, enquanto era feita a rendição, foram-me ditas as seguintes palavras: ‘Se aparecer aqui alguém para apresentar queixa, tens de mandar para outra esquadra, porque estamos sem papel de impressora’. Não acredita? Nem eu queria acreditar.”

— “Quando entrei para a Polícia, foi-nos dito que o efectivo era de 24 a 25 mil homens e mulheres. Em seis anos, 20% desse efectivo desapareceu. Quando cheguei a Lisboa, além dos dois carros patrulha a circular na minha esquadra (cada um com dois polícias), entrávamos de patrulha apeada entre cinco a seis operacionais, contando com o graduado de serviço (chefe). Hoje, trabalhamos com o mínimo dos mínimos: um elemento de graduado de serviço (normalmente um agente), dois no carro-patrulha e um na patrulha apeada (sentinela). Pois: numa esquadra que serve uma população [de dezenas de milhares de pessoas], há DOIS polícias na rua. Agora imagine os turnos em que [temos] 14 ou 15 ocorrências, quatro, cinco ou mais peças de expediente, e no dia seguinte espera-nos mais do mesmo. Isto faz com que quase ninguém queira exercer as funções de carro patrulha.”

— “Podia falar dos guardas que tinham de pôr madeira por baixo dos bancos dos carros de tão desgastados estavam.”

— “De acordo com o nosso estatuto, as funções de Graduado de Serviço (que na ausência do comandante de esquadra é o responsável máximo), devem ser exercidas por um chefe ou um Agente Principal ou, em último caso, um Agente. Se esse Agente efectuar essas funções por um período superior a 30 dias consecutivos, deverá auferir o salário da classe profissional imediatamente acima da sua (Agente Principal). Como é que se dá a volta a isto? Põe-se o Agente a fazer de Graduado de Serviço 29 dias e depois vai outro. E vamos trocando.”

— “Daqui escreve-lhe um polícia que já comprou material para o serviço e para usar no serviço; um polícia que já comprou do próprio bolso refeição a criminoso; um polícia que conhece outros que até tapetes compraram para viaturas ou usaram ferramentas pessoais para arranjar coisas no serviço e até tinta para pintar paredes.”

— “O senhor ministro disse que os polícias não compram algemas. Mentira. Eu até hoje, em 22 anos, nunca me ofereceram um par.”

— “O Governo dá-nos uma verba irrisória para comprar o fardamento. Criou uma plataforma autorizada de venda de fardamento que não funciona, e cujo caderno de encargos não corresponde ao contratado. Outas entidades particulares vendem fardamento de melhor qualidade.”

— “A velha armadilha dos polícias nos bares, secretarias, arrecadações de material, mecânicos, armazéns: não acha estranho que todos os ministros falem grosso a entrar e depois se calem com isto? Simples. Essas pessoas estão a preencher um lugar necessário. Quem faria o serviço? Civis? E dinheiro para os contratar? E o que fazer aos polícias que vão envelhecendo e, pela ordem natural da vida (são profissionais, mas não têm sempre 20 anos) perdem capacidade física? Um homem ou uma mulher de 50 anos deve andar na patrulha?”

— “O patrulheiro aos 50 anos está exausto por perder noites em claro, fins-de-semana sem a família, etc. As carreiras dos operacionais da PSP e dos oficiais são totalmente diferentes: os oficiais a partir do posto de Comissário ficam sentados numa secretária das 9h às 17h. Os sindicalistas que desmintam isto.”

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