Lágrimas de tristeza transformadas num ápice em gritos de euforia

O núcleo de adeptos do Flamengo organizou concentração para final da Libertadores. Centenas de flamenguistas encheram doca de Alcântara Sul. Desilusão era certa, mas noite terminou em apoteose.

Concerto de rock
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Euforia tomou conta de adeptos flamenguistas após reviravolta DANIEL ROCHA
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“É o pior dia da minha vida. Soube hoje do falecimento de um amigo próximo e estava a contar que o jogo me animasse. Nem isso. Que merda”. Faltavam cinco minutos para o apito final. River Plate vencia pela margem mínima um Flamengo que não conseguia penetrar a muralha defensiva edificada pelos argentinos. Igor Oliveira voltava a praguejar: “Pá, é mau porque venho sempre ver os jogos e hoje não consegui entrar na embaixada [núcleo de adeptos] sequer. Está aí um monte de gente que só vem porque é a final e está um ambiente ruim. Não sabem as músicas. Estou mesmo desiludido”, lamentava o estudante.

Jorge Jesus, o tão acarinhado mister, já começava a causar algumas dúvidas. Um menino chateado com o desenrolar da partida era consolado pelo pai. “Vá, vá, ainda não acabou”, dizia, enquanto abraçava o petiz. Igor passeava para trás e para a frente, com medo de olhar para o ecrã. “O Jesus repete sempre o mesmo alinhamento. Para já tinha resultado, mas o River conseguiu ler muito… GOLO!!!!!!”. Num flash, Gabigol transformava o “pior dia de sempre” numa noite memorável. Cego de alegria, Igor abraça um, dois, três estranhos que por momentos se tornam irmãos de sangue.

Com o golo do empate, a doca de Alcântara irrompe em gritos e correria. O prolongamento parecia seguro, quando, aos 90+5’, Gabigol faz a reviravolta. Uma avalanche “rubro negra” varreu o passadiço, choveu cerveja de todas as direcções, enquanto 60 milhões de adeptos em todo o mundo exultavam em simultâneo.

Victor Alves, de 21 anos, chorava compulsivamente enquanto tentava perceber o que tinha acontecido. “Estou eufórico, alegre, ainda nem sei. Acreditei na equipa até ao fim”, garante. O apito final foi o momento de euforia final da noite. Gabriel nem se lembrava de como tinham sido os golos. “Saí a correr por aí fora, fui tomado pela emoção”, conta o jovem, ainda ofegante. Ao lado do amigo, Isodora, bem mais calma, não esconde a satisfação. “Foi o jogo mais emocionante da minha vida, sem dúvida”.

Num ápice, as lágrimas de tristeza transformaram-se em euforia. Novo milagre de Jesus?

Festejos começaram ao início da tarde

A noite de festa que, para muitos, apenas terminará na manhã deste domingo, teve início bem antes do apito inicial. Às 14h, seis horas antes da partida, os instrumentos de percussão em frente ao Bar Hawaii já se faziam ouvir. Apesar de ainda ser cedo, Tiago Cardoso seguia a passo rápido para o espaço, com medo de chegar demasiado tarde à festa “rubro negra” que tomou de assalto as docas de Alcântara Sul na noite de sábado. Com a ponte 25 de Abril imediatamente acima, o mar de camisolas vermelhas misturou-se com a paisagem. Olhando brevemente para o Cristo Rei na Margem Sul do Tejo, ri e comenta: “Se o Flamengo ganhar este jogo, a direcção do clube pode construir uma estátua ao Jorge Jesus na entrada do estádio, porque ele vai tornar-se um ícone do clube.”

A admiração pelo técnico português que, em Junho, decidiu assumir as rédeas de um Flamengo moribundo e, apenas quatro meses depois, levou o clube à final da maior competição sul-americana, é comum às pessoas que vamos encontrando. Muitas delas ainda não eram nascidas há 38 anos, quando o emblema flamenguista venceu a Taça Libertadores. Mas quem experienciou a longa espera, faz questão de aproveitar o momento.

“Lembro-me perfeitamente dessa partida. Tinha 21 anos e estava em casa com amigos. Depois do apito final, saímos e fomos comemorar. A cidade do Rio de Janeiro parou por completo, foi maravilhoso”. António Gordilho está só de passagem pela capital portuguesa, mas interrompeu o passeio turístico para ver a final com “os irmãos” da embaixada lisboeta. Praticamente quatro décadas após a última alegria na competição, o flamenguista esperava que seria desta que o enguiço seria quebrado.

Os ritmos cariocas levavam a multidão ao delírio. Quando a música parava, começavam os cânticos de apoio à equipa. Silêncio era palavra proibida numa festa regada a cerveja e boa disposição. A poucos metros, David Campos, empregado de mesa da cadeia de restaurantes Prego no Prato, observa com um sorriso nos lábios. “Não é habitual ver tantas pessoas, mas eles costumam reunir-se aí para ver os jogos. Dançam, saltam, fazem a festa. Usam muito mais a música no apoio à equipa do que os adeptos portugueses, isso é certo”, resume.

“Crescimento até nos assustou”

No mar de gente que congestiona a circulação à entrada do Bar, um jovem franzino percorre de forma inteligente o labirinto “rubro negro”. Apesar do barulho ensurdecedor, sabe sempre onde precisam da sua ajuda. Apenas se distingue dos demais pelo crachá ao peito com a palavra “directoria” escrita. Nicholas Reis foi um dos seis fundadores da embaixada lisboeta, que arrancou em 2017 quando o estudante de Mestrado na Lusófona aterrou em Lisboa. Sentindo saudades de ver as partidas do clube junto dos seus, contactou alguns conhecidos. Dois anos depois, é um dos líderes do maior núcleo de adeptos do clube fora do Brasil.

“Cheguei a Portugal em 2017 e conhecia um rapaz, o Filipe, que era adepto do Flamengo. Perguntei-lhe onde é que os flamenguistas se reuniam para ver os jogos em Lisboa, mas ele disse-me que não existia nenhum local de culto, apesar de conhecer algumas pessoas que estariam disponíveis a começarem-se a juntar”, explica. O primeiro jogo contou apenas com os seis fundadores, mas o crescimento deu-se a olhos vistos. Palavra puxou palavra, amigo puxou amigo e no terceiro encontro já eram 70. “A gente até se assustou”, confidencia, num dos poucos momentos em que consegue respirar.

O processo repetiu-se, semana após semana, e, actualmente, a embaixada caminha para os 700 membros inscritos. O aumento na afluência obrigou o grupo a mudar de “casa” algumas vezes. “Começámos no Snooker Club, na Avenida da Liberdade, e depois fomos para o Art Club. Em primeiro lugar, precisamos que os bares fiquem abertos [até tarde], porque vários jogos nossos são durante a madrugada. Mas o principal [problema] era o barulho. A nossa ‘torcida’ tem instrumentos e canta, algo que mexia muito com a vizinhança. Os bares até aceitavam que estivéssemos lá, mas os vizinhos reclamavam. Até que encontramos o espaço Hawaii, nas Docas de Alcântara, que não tem moradores por perto”.

Assumidamente fanático pelo Flamengo, Nicholas já se converteu a Jorge Jesus que, num par de meses, pode garantir um lugar eterno nos anais de um clube que celebrou recentemente o 124.º aniversário. “Pode dizer-se que operou um milagre, apesar de o Flamengo possuir um plantel de qualidade quando ele chegou. O antigo treinador não conseguiu rentabilizar esse talento. Jorge Jesus promoveu uma revolução completa no estilo de jogo da equipa, os jogadores passaram a jogar um futebol mais ofensivo e mais colectivo”, afirma.

Para além do bom desempenho da equipa, Nicholas acredita que o técnico serviu como ferramenta de marketing gratuita. “Os media portugueses começaram a dar atenção ao Flamengo e a divulgar a nossa embaixada. Estar aqui tanta gente também se deve a ele”.

Com a vitória deste sábado na Libertadores, fica prometida nova concentração massiva no Mundial de Clubes.

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