Política das Drogas ou Droga de Políticas

Os serviços vivem hoje asfixiados por uma incapacidade de tomar decisões. No todo nacional há falhas na coerência e uniformidade de atuação, bem como, fragmentação do planeamento à operacionalidade das intervenções.

Durante quatro anos o governo não aprovou nenhum instrumento normativo para requalificar e definir explicitamente os serviços públicos em matéria de Comportamentos Aditivos e Dependências [CAD] pese embora o compromisso assumido.  

Infelizmente, o desfasamento entre a promessa e a realidade é um eterno problema na ética política. 

Enquanto se esgrimem argumentos nos corredores, gabinetes dos ministérios e outras representações do Ministério da Saúde discutindo, com certeza, um futuro promissor e melhor para os utentes e familiares, portadores de um problema aditivo, uma doença com tendência para a cronicidade, os serviços públicos estão pouco a pouco, a conta-gotas a definhar-se, como se fosse o pronuncio de uma morte anunciada! 

A pior das torturas está assumida: a desconsideração e o jogo hábil da retórica política de adiar uma decisão com alegações pretensamente baseadas na responsabilidade e seriedade do problema em análise. Na prática é o empurra para lá… o logo se vê… isso também não é urgente… existem de momento outras prioridades! O Serviço Nacional de Saúde (SNS), que devia ter como prioridade primeira a promoção da saúde e da prevenção da doença, tem hoje tantas deficiências minadoras da sua sustentabilidade, que a existência de um dependente de crack, heroína, álcool, canábis, jogo ou com outro comportamento aditivo é menorizado na escala de prioridades do Ministério da Saúde. Mas cuidado com as ilusões que podem tornar-se dolorosas. Em 2018, nas Unidades de Intervenção Local que intervém nos CAD constatou-se um aumento de recaídas e de primeiras consultas e, curiosamente, as comunidades terapêuticas, estruturas com internamentos prolongados 12 a 36 meses, nunca estiveram tão lotadas como nestes últimos anos.

A complexidade dos comportamentos aditivos é uma realidade e a secundarização das políticas para as adições compromete, não só os resultados alcançados, como também a capacidade de respostas por parte dos serviços públicos, decisivos nas intervenções sobre as antigas adições e nos novos padrões de comportamentos aditivos que, entretanto, se vão operando na sociedade.

Acrescente-se que existem outras dimensões dos comportamentos aditivos com implicações na vida das pessoas e da comunidade e para os quais os serviços e os seus profissionais têm de ter capacidade de resposta. É o caso da relação entre a violência doméstica e o consumo de substâncias psicoativas. É do conhecimento que ambas as realidades se influenciam e se potenciam. Foi aprovado, e muito bem, um Plano de Ação para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica. Mas mais uma vez esquecem-se que os serviços públicos têm que ter capacidade para acolher, cuidar e tratar todos os cidadãos agentes ou vítimas do uso ou abuso de substâncias psicoativas. Mas esta não é a realidade que vivemos. As equipas profissionais estão esvaziadas, com retração na capacidade e na qualidade das respostas ao longo do tempo, sem recursos, em suma desapoiados. 

Mas afinal qual a política de drogas que Portugal ou melhor o governo quer seguir? Inquieta-nos o pensamento de que a regulamentação e o mercado das drogas sejam as únicas preocupações deste governo e de alguns dos seus aliados para satisfazer necessidades eleitorais! Bem sabemos que a política sendo ela a arte da organização e administração de uma nação pode em função dos interesses assumir direções contraditórias e por vezes perversas. 

Um bom exemplo é o Lisbon Addictions, que ocorre em outubro deste ano, evento científico de grande relevo internacional que se enquadra perfeitamente no paradoxo da política portuguesa das adições, inacessível aos profissionais portugueses [€600.00 a inscrição]. O fosso entre o saber adquirido e a aquisição de novos conhecimentos nunca esteve tão grande e seletivo. 

Os serviços públicos com responsabilidade nos cuidados às pessoas com problemas ligados aos comportamentos aditivos e dependências, e os seus profissionais, têm-se vindo a confrontar com uma contínua evolução dos fenómenos relacionados com esta problemática, mas que não têm sido acompanhados pelas reformas político administrativas que o governo devia implementar face às mudanças que vão ocorrendo. Os serviços vivem hoje asfixiados por uma incapacidade de tomar decisões. No todo nacional há falhas na coerência e uniformidade de atuação, bem como, fragmentação do planeamento à operacionalidade das intervenções. Houve um acréscimo na dificuldade de contratação de recursos humanos, desmobilização de profissionais dada a inviabilização de contratos, os procedimentos tornaram-se extremamente burocráticos dificultando a eficácia na resposta e a especificidade que a intervenção holística em dependências requer e, finalmente, não houve nenhuma mais-valia económico-funcional resultante do processo de integração decidido em 2011. As políticas de saúde de proximidade em CAD são um número de prestidigitação, mas mal-executada.

As políticas das drogas mais parecem droga de políticas.  

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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