Fazer dos oceanos uma arma contra as alterações climáticas

A utilização de energias renováveis, a redução da pegada de carbono nos transportes e as mudanças na alimentação poderiam fazer com que se conseguisse reduzir até quatro mil milhões de toneladas de dióxido de carbono até 2030. Este estudo reconhece o perigo que os oceanos enfrentam, mas garante que existem soluções que podem tirar partido das suas vantagens.

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Nuno Ferreira Santos

Os oceanos estão mais quentes, mais ácidos, com menos oxigénio e com menos biodiversidade – são uma clara vítima das alterações climáticas, mas podem também ser “uma poderosa fonte de soluções”, refere um estudo divulgado esta quarta-feira na revista Science. Depois da apresentação do relatório do IPCC que traça um futuro negro para os oceanos, para a vida nele existente e para quem dele depende, este estudo traz alguma “esperança”. Há cinco áreas em destaque: a energia renovável, o transporte de mercadorias, a protecção e restauração dos ecossistemas marinhos e costeiros; as pescas, aquacultura e mudanças no regime alimentar e ainda o armazenamento de carbono no leito marinho. Quando se deve começar? O mais rapidamente possível.

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Os oceanos estão mais quentes, mais ácidos, com menos oxigénio e com menos biodiversidade – são uma clara vítima das alterações climáticas, mas podem também ser “uma poderosa fonte de soluções”, refere um estudo divulgado esta quarta-feira na revista Science. Depois da apresentação do relatório do IPCC que traça um futuro negro para os oceanos, para a vida nele existente e para quem dele depende, este estudo traz alguma “esperança”. Há cinco áreas em destaque: a energia renovável, o transporte de mercadorias, a protecção e restauração dos ecossistemas marinhos e costeiros; as pescas, aquacultura e mudanças no regime alimentar e ainda o armazenamento de carbono no leito marinho. Quando se deve começar? O mais rapidamente possível.

Usadas em conjunto, estas acções poderiam resultar na redução de até quatro mil milhões de toneladas de dióxido de carbono (ou equivalentes) até 2030 e de 11 mil milhões até 2050 – contribuindo em 21% para se fazer cumprir o Acordo de Paris (que tenta limitar o aumento da temperatura global do planeta) e tornando-o mais “exequível”. Os investigadores consideram que é “urgente” reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.

O estudo refere que poucas nações criaram uma lista do que fazer no que toca a mitigar as alterações climáticas a partir dos oceanos. “Durante demasiado tempo, o oceano esteve ausente das discussões de medidas para reduzir as emissões de carbono”, lê-se no estudo. O PÚBLICO tentou contactar os investigadores para saber onde se situa Portugal nesta lista de acções, mas não obteve resposta.

“A propósito da ‘economia azul’, muitos países estão já a começar a identificar e implementar um conjunto de acções relacionadas com o oceano e focadas na criação de trabalhos e na produção de peixe e marisco”. Mas os cientistas dizem que uma “economia do oceano sustentável” pressupõe também atenção às alterações climáticas e estratégias para preservar os ecossistemas marinhos, o que não está ainda a acontecer.

A curto prazo, é importante que cada governo defina metas claras para as energias renováveis, nomeadamente as localizadas no mar ou nos oceanos. A longo prazo, os cientistas consideram provável que este tipo de tecnologias passe a ser desenvolvido em zonas de profundidade, “para ter acesso a zonas maiores de recursos energéticos conseguindo minimizar simultaneamente o impacto negativo na vida selvagem e nos ecossistemas”.

Outro dos objectivos é conseguir a “total descarbonização” do transporte marítimo – tanto de passageiros como de mercadorias. A longo prazo, pode optar-se por “pôr um preço no carbono”, tornando fácil a escolha de combustíveis amigos do ambiente.

Tal como o relatório do IPCC, o estudo da Science diz ser peremptório restaurar os ecossistemas costeiros que ajudam a reduzir as emissões poluentes – só que, para isso, é preciso investimento. No relatório apresentado esta quarta-feira, era referido que “quase 50% dos pântanos e zonas húmidas em zonas costeiras desapareceram nos últimos 100 anos, como resultado da pressão humana, da subida da água do mar, do aquecimento e de eventos climáticos extremos”.

Mais algas, menos metano. Mais peixe, menos carne

Uma das conclusões mais interessantes está relacionada com as algas: “Os produtos feitos a partir de algas marinhas podem substituir produtos com uma pegada mais elevada de CO2, evitando-se emissões em campos como o da alimentação, das pastagens, dos fertilizantes, medicamentos, biocombustíveis e bioplásticos”, refere o estudo. Quando aplicadas nos regimes alimentares de animais ruminantes (sobretudo ovelhas e bovinos), estas algas marinhas podem ser importantes para reduzir as emissões de metano. “As experiências in vitro mostram que a alga Asparagopsis taxiformis consegue reduzir as emissões de metano em ruminantes até 99% quando fazem apenas parte de 2% da sua alimentação”. Noutras espécies, a redução das emissões de metano após o consumo desta alga varia entre os 33% e os 50%.

O estudo da Science dá conta de que a proteína consumida por humanos vinda do mar tem “uma pegada de carbono substancialmente mais pequena do que a proteína proveniente de animais em contexto terrestre, sobretudo ruminantes”. Uma das formas propostas de se reduzirem as emissões é tornando a pesca mais sustentável e alterando-se os regimes alimentares, optando-se por comer mais peixe e marisco, por exemplo.

A última solução apontada pelos cientistas é aquela que não só é mais difícil de aplicar como leva mais tempo: falamos do armazenamento de carbono no leito marinho, usando-se tecnologia que tenha um impacto quase nulo nos ecossistemas dos mares. Estas acções oferecem “um aumento da esperança de se conseguir atingir a meta de 1,5 ºC [do Acordo de Paris], dando ao mesmo tempo resposta a outros desafios sociais, como o desenvolvimento económico, a segurança alimentar, e a resiliência das comunidades costeiras.”