Kristalina Georgieva: a escolha para o FMI de uma UE dividida ao meio

A actual actual número dois do Banco Mundial venceu Jeroem Dijsselbloem na votação final. Macron viu mais uma vez a sua escolha tornar-se na escolha europeia.

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Reuters/Michele Tantussi

Foram precisas mais de 13 horas de negociações, desistências e votações, com a ameaça de um impasse já no final, mas os governos da União Europeia (UE) conseguiram ontem à noite chegar a um acordo em relação ao nome que irão propor como substituta de Christine Lagarde na liderança do Fundo Monetário Internacional (FMI).

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Foram precisas mais de 13 horas de negociações, desistências e votações, com a ameaça de um impasse já no final, mas os governos da União Europeia (UE) conseguiram ontem à noite chegar a um acordo em relação ao nome que irão propor como substituta de Christine Lagarde na liderança do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Apoiada desde o início pela França, beneficiada pelo facto de os países de Leste terem ficado fora da distribuição de cadeiras feita na UE no mês passado e ajudada pelo desagrado dos países do Sul em relação ao seu principal adversário, a búlgara Kristalina Georgieva, actualmente a número dois do Banco Mundial e ex-vice-presidente da Comissão Europeia venceu a votação final contra Jeroem Dijsselbloem, um resultado que constituiu mais uma vitória de Emmanuel Macron, garantida desta vez à custa de uma nova derrota de Angela Merkel e de aliados importantes como o primeiro-ministro holandês Mark Rutte.

Como é hábito na UE, factores como a origem geográfica, a família política e o passado de política económica dos candidatos cruzaram-se e conduziram a coligações e desentendimentos entre as diversas capitais. No final, a divisão quase a meio entre os que apoiavam Georgieva e os que preferiam ver Dijsselbloem no seu lugar foi bem o espelho da dificuldade em tomar esta decisão.

Ao contrário do que aconteceu sempre no passado, desta vez os líderes europeus viram-se forçados a levar a votos os cinco candidatos em cima da mesa das negociações. A ideia era, votação após votação, ir afastando os nomes com menos hipóteses, para chegar a uma escolha final por maioria qualificada.

O primeiro a decidir abandonar o boletim de votos foi Mário Centeno, logo na quinta-feira ao fim do dia, não chegando sequer a sujeitar-se a qualquer voto. Apesar de contar com a promessa de apoio da Itália e de alguns países a Leste, a estratégia portuguesa foi colocar o ministro das Finanças numa posição de poder ser resgatado como solução de consenso caso não se conseguisse chegar a um acordo mínimo em relação aos outros candidatos. Uma estratégia que, até ver, não resultou.

Depois, ontem de manhã, a ministra das Finanças espanhola fez o mesmo. A Espanha não tinha conseguido recolher apoios importantes e a desistência foi o passo óbvio a tomar.

A votação feita a seguir mostrou uma tendência: Jeroem Dijsselbloem e o ex-comissário europeu Olli Rehn dividiam os apoios a Norte, ao passo que Kristalina Georgieva conseguia, para além da França, atrair os governos a Sul e a Leste.

Olli Rehn acabou por abandonar a corrida, deixando ao ex-presidente do Eurogrupo a tarefa de tentar travar a búlgara Kristalina Georgieva.

Antes da votação final entre os dois candidatos mais fortes, os dois lados tentaram trazer para si o máximo de capitais possíveis. E aí, a célebre frase de Dijsselbloem, associando os países do Sul ao hábito de “gastar todo o dinheiro em copos e mulheres” poderá ter acabado por lhe custar a ascensão à liderança do FMI. O holandês bem tentou recolher apoios a Sul, tendo visitado Atenas e Madrid durante esta semana, mas o seu nome revelou-se demasiado difícil de digerir por vários governos, mesmo nos casos, como o português, em que eram da mesma família política que o holandês.

Para o final, ainda ficou reservada a ameaça de um impasse. Georgieva conseguiu o apoio de mais Estados-membros, representando a maioria da população, mas não garantiu uma maioria qualificada, definida como o apoio de mais de 55% dos Estados-membros, representando mais de 65% da população da UE.

Isto criou um problema, com alguns dos países que apoiavam Dijsselbloem, principalmente a Suécia e a Holanda, a não aceitarem inicialmente a nomeação de Georgieva e defendendo que se deveriam considerar os votos que cada país europeu tem no FMI, o que poderia dar a vitória ao holandês. No entanto, a necessidade de a Europa ter de mostrar uma face unida acabou por motivar uma resolução da situação. Jeroem Dijsselbloem, através da sua conta do Twitter, felicitou a sua adversária pelo resultado obtido.

Emmanuel Macron, que assumiu desde muito cedo a candidatura de Kristalina Georgieva, foi o principal vencedor do confronto de ontem. Do lado oposto, Angela Merkel, que tinha esperança de colocar à frente do FMI alguém menos inclinado a criticar a política económica alemã, perdeu mais uma batalha.

A candidatura de Kristalina Georgieva tem, contudo, ainda um problema por resolver. A UE terá agora de convencer os restantes membros do FMI a aceitar alterar as regras da instituição que limitam a pessoas com menos de 65 anos a possibilidade de assumir o cargo de director executivo.

Kristalina Georgieva irá festejar, já durante este mês de Agosto, o seu 66.º aniversário, o que a torna, de acordo com as regras de funcionamento actuais do FMI, inelegível para o cargo de directora executiva da instituição.

O problema não é inultrapassável, já que as regras podem ser mudadas pelo Conselho Executivo do FMI, mas constituirá um primeiro teste à popularidade da candidata também fora da Europa.

A escolha do candidato europeu não significa que este venha a ser com toda a certeza o futuro líder do FMI. Apesar de existir um entendimento entre EUA e UE relativamente à manutenção de uma liderança europeia, outros países irão apresentar candidatos, que terão de ser votados a nível mundial. Todas as candidaturas terão de ser entregues até 6 de Setembro, devendo a escolha ser realizada nos primeiros dias de Outubro.