Mais de mil obras que contam a história da arte do século XX — quanto valem, não se sabe ao certo

A última avaliação da colecção de arte que Joe Berardo depositou no Centro Cultural de Belém data de 2006. Na altura, e segundo a Christie’s, o acervo valia 316 milhões de euros.

Foto
Figure à la Bougie, de Joan Miró, uma das obras da Colecção Berardo depositadas no Centro Cultural de Belém NUNO FERREIRA SANTOS

Ao contrário da dívida que os bancos reclamam do empresário Joe Berardo, e que foi fixada em 962 milhões de euros, o valor actual da colecção que o Estado agora arrestou é hoje uma incógnita. A única avaliação oficial alguma vez feita a este que será o mais importante e mais abrangente núcleo de obras de arte do século XX em território nacional é anterior ao acordo de comodato celebrado com o Estado que em 2006 permitiu o seu depósito no Centro Cultural de Belém (CCB) — então, e segundo a Christie’s, as 862 obras de pintura, escultura, desenho, fotografia e instalação que compunham a Colecção Berardo valiam 316 milhões de euros.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Ao contrário da dívida que os bancos reclamam do empresário Joe Berardo, e que foi fixada em 962 milhões de euros, o valor actual da colecção que o Estado agora arrestou é hoje uma incógnita. A única avaliação oficial alguma vez feita a este que será o mais importante e mais abrangente núcleo de obras de arte do século XX em território nacional é anterior ao acordo de comodato celebrado com o Estado que em 2006 permitiu o seu depósito no Centro Cultural de Belém (CCB) — então, e segundo a Christie’s, as 862 obras de pintura, escultura, desenho, fotografia e instalação que compunham a Colecção Berardo valiam 316 milhões de euros.

Treze anos e muitas flutuações do mercado depois, só outra avaliação poderá medir até que ponto este conjunto, que entretanto se expandiu para mais de mil obras, saiu valorizado. Em 2011, Francisco José Viegas, então secretário de Estado da Cultura, tentou que a Sotheby’s reapreciasse a colecção, numa altura em que, sendo já públicas as dificuldades financeiras de Joe Berardo, o Governo chefiado por Passos Coelho ponderou exercer o direito de opção de compra  mas o empresário recusou. E também não houve lugar a qualquer reapreciação quando, em 2016, o actual Governo renovou o acordo de comodato por mais seis anos: a adenda ao protocolo estabelece apenas que, no caso de o Estado decidir avançar para a compra da colecção, esta terá de ser avaliada por uma “prestigiada firma internacional a escolher por comum acordo entre o Estado e a Associação [Colecção Berardo]”.

A mesma adenda ao acordo impede objectivamente o Estado de classificar este valioso acervo que reúne referências absolutas da história da arte do século XX como Joan Miró, Piet Mondrian, Francis Bacon, David Hockney ou Gerhard Richter, mas também nomes incontornáveis da criação moderna e contemporânea portuguesa como Amadeo Souza-Cardoso, Paula Rego, Helena Almeida ou Pedro Cabrita Reis. Tal como o impede de “colocar entraves à saída de Portugal e/ou do espaço comunitário, ao abrigo da actual ou futura legislação de protecção de património cultural, caso venha a cessar o comodato”. Não o impediu, porém, no Verão do ano passado, de recusar o pedido que Joe Berardo endereçou à Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), solicitando autorização para expedir para o Reino Unido, “para eventual venda”, 16 pinturas. Entre elas, estavam algumas das jóias da colecção: Abstract Painting, de Gerhard Richter, Tableau (amarelo, preto, azul, vermelho e cinzento), de Piet Mondrian, Oedipus and the Sphinx after Ingres, de Francis Bacon, Paysage aux Arbustes, de Jean Dubuffet, Pater, de Jean-Michel Basquiat, ou Balance, de Francis Picabia. O parecer negativo então emitido pela DGPC recordava que as obras em causa “são parte do conjunto designado por Colecção Berardo que aquela associação se obrigou a manter em comodato” no Museu Colecção Berardo “pelo período de seis anos, renováveis automaticamente, a contar de 1 de Janeiro de 2017”.

Fotogaleria

Também os custos acumulados que este acordo já terá representado para o Estado são difíceis de quantificar. De acordo com dados fornecidos ao PÚBLICO pelo Ministério da Cultura em Maio deste ano, as transferências directas para a Fundação Arte Moderna e Contemporânea  Colecção Berardo até ao primeiro semestre de 2019 ascendiam a 32,8 milhões de euros. Um montante a que será necessário juntar os cerca de 1,1 milhões de euros que a Fundação Centro Cultural de Belém terá gasto anualmente em despesas de funcionamento do museu entre 2007 e 2018. 

Até ao final de 2018, o Museu Colecção Berardo  que só em 2017, e por imposição do Estado, passou a cobrar a entrada  já tinha recebido 8,4 milhões de visitantes. Se o arresto agora decretado poderá afectar a fruição pública da colecção ou produzir alterações na gestão e no funcionamento do museu, é uma questão que tanto o Ministério da Cultura como a administração do CCB, contactados pelo PÚBLICO, deixam para já por responder.