Berardo queria o seu museu gratuito, mas teve de ceder

Ministro da Cultura e Joe Berardo oficializaram esta quarta-feira a permanência da colecção de arte do empresário em Belém até 2022. Pelo menos. Para que isso fosse possível, os bilhetes do museu que a expõe passarão a ser pagos no próximo ano. Documento que assinaram não foi ainda divulgado.

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O ministro da Cultura e o empresário Joe Berardo, esta quarta-feira em Belém DR

Joe Berardo chegou primeiro – afinal estava na sua casa, o Museu Berardo – e pouco depois foi a vez do Ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes. Os dois juntaram-se, então, à mesma mesa para assinar a adenda ao protocolo de 2006 que garante a permanência da colecção do empresário madeirense no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, pelo menos até 2022.

A seu lado estavam os representantes da Fundação CCB, Elísio Summavielle, e da Fundação Berardo, Renato Berardo, filho do coleccionador. “Não sei se em 2022 ainda cá estou – já tenho 72 anos —, mas isso não é um problema porque vai estar cá o meu filho, que também tem uma paixão muito grande por esta colecção e por este museu”, disse o empresário aos jornalistas, admitindo que o início de vida do Museu Berardo não foi fácil por causa das tensões com a administração do CCB, mas que nos últimos tempos se tem vivido “em paz”. “Se não houver problemas, a colecção é para continuar aqui por mais do que seis anos”, acrescentou.

A adenda ao acordo que permitiu mostrar a colecção de Berardo em Belém nos últimos nove anos implicou cedências de parte a parte, diz o empresário. Entre as maiores que fez está certamente a que implica passar a ter bilhetes pagos, um dos pontos em que a equipa de Castro Mendes mais terá insistido. “Eu queria continuar com as obras livres para todos os portugueses, mas compreendo que esta instituição [o CCB] precisa de dinheiro e que o Governo também não está lá muito bem”, explicou, garantindo que até ao fim do ano o conselho de administração da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo, que tem a seu cargo a gestão do museu, decidirá quanto vai passar a cobrar pela entrada, as modalidades de descontos e o número de dias gratuitos por semana (o Estado exigiu que pelo menos um fosse de acesso livre).

“Eu queria dar isto, queria que o museu continuasse a ser sempre livre para os portugueses e que os turistas estrangeiros pagassem entrada, mas legalmente não posso fazer isso”, insiste o empresário, que teria “um grande, grande desgosto mesmo”, se não tivesse chegado a acordo com o Estado para a prorrogação do acordo de 2006. Em resposta ao PÚBLICO, Berardo diz que nos últimos tempos teve “quatro propostas” para levar a colecção para o estrangeiro, escusando-se a dizer para onde : “Antes era a França, agora foram outros quatro, mas não vou falar sobre isso porque o que eu queria aconteceu, que era ter a colecção aqui.”

Até ao fim do ano, pelo menos, o museu vai manter as entradas gratuitas: “Quero chamar os portugueses para virem ver as exposições porque agora ainda são grátis”, diz, entre risos, o empresário que se prepara para abrir mais dois museus em Lisboa, um de arte africana e outro de arte déco.

Os sorrisos e abraços entre Castro Mendes e o coleccionador foram guardados para o período pós-assinatura do acordo. Até lá, tanto do ministro da Cultura como de Joe Berardo houve apenas declarações de circunstância, agradecimentos aos que os representaram ao longo das negociações que começaram no Verão e acabaram formalmente esta quarta-feira, quando cada uma das partes levou para casa a adenda assinada. À mesa, com uma pintura do alemão Gerhard Richter como pano de fundo, não houve respostas aos jornalistas e nem sequer um aperto de mão entre o empresário e o ministro que definiu o acordo desta quarta-feira como “mutuamente vantajoso”.

“[Este acordo] satisfaz o nosso desejo de ter em Lisboa esta extraordinária colecção”, disse Castro Mendes. E satisfaz o de Joe Berardo de continuar a partilhar com os portugueses e com os estrangeiros que visitam Lisboa o acervo de arte moderna e contemporânea que tem vindo a reunir, haveria de dizer mais à frente.

Falando do clima de “tranquilidade” em que decorreram os trabalhos e da “perfeita coordenação” com o CCB em todo o processo, o ministro da Cultura garante que a intenção do Governo com esta adenda ao acordo é manter a colecção disponível e dar-lhe “estabilidade”. Também por isso, para evitar possíveis tensões, há uma “melhor distribuição dos espaços da Fundação [Berardo] e do CCB”.

Programação para 2017?

Neste momento, Joe Berardo não está preocupado com o que o museu vai apresentar em 2017, mesmo tendo o seu director, Pedro Lapa, dito há semanas ao Diário de Notícias que todo o calendário está ainda por preencher, porque recebeu ordens para não trabalhar na programação até que Estado e empresário chegassem a acordo quanto à vida da colecção em Belém. “Temos conteúdo suficiente aqui, peças que nunca foram vistas. Não deve haver problema. Agora é preciso trabalhar para trazer exposições internacionais. Não quero que seja só a colecção Berardo porque isso não tem graça nenhuma”, diz o coleccionador.

Pedro Lapa, director do museu, garante, por seu lado, que antes de começar a desenhar uma oferta para 2017 é preciso ver de que meios dispõe para o fazer. Certo é que “a programação de um museu não se inventa de um dia para o outro” e que os atrasos levam a que se percam “algumas oportunidades”. Lapa tem “muitos planos B imaginários na cabeça”, mas nada disso faz uma programação.

O historiador de arte que dirige o Museu Berardo desde 2011 e que termina o seu contrato de dois anos no final de Março não sabe ainda se vai ser reconduzido (Berardo também diz que “a administração da fundação é que decide”): “A minha permanência ou não no museu não é matéria desta adenda ao acordo.” Matéria da adenda é o facto de, por exemplo, a partir de agora – e como o PÚBLICO tinha já anunciado –, o museu passar a contar com orçamentos bienais, uma das alterações ao acordo original que Castro Mendes salientou esta quarta-feira, a par da extinção do fundo de aquisições, cujo prazo de validade terminara em 2015, e da cobrança de bilhetes. Dar mais capacidade ao Museu Berardo de gerar receita alivia as contribuições públicas, explicou o ministro: “A intenção [do fim da gratuitidade] é que a Fundação Berardo possa diminuir a sua dependência do Estado.”

Em 2016 a fundação recebeu do Fundo de Fomento Cultural 2,1 milhões de euros para despesas com funcionários, seguros e programação. Com a nova adenda, a verba consagrada às exposições e outras actividades do museu, que agora é de 500 mil euros, passa a ser variável, uma percentagem do bolo que receber do Estado, acrescentou o ministro.

O fim da gratuitidade total, acredita Castro Mendes, não fará com que o Museu Berardo deixe de ser um dos mais visitados do país. Da mesma opinião é Pedro Lapa, para quem os números são importantes, mas não absolutamente determinantes: “O que me interessa seriamente é a permanência do público aqui no museu, criar condições para que reiteradamente volte.” Para isso é particularmente importante o trabalho com as escolas, que representam cerca de 40% dos visitantes. “É importante que [os alunos] venham para que não lhes aconteça o que me aconteceu a mim. Eu tive de ver muitos Richter nos livros até chegar a ver um na parede.”

A adenda que prorroga o protocolo de 2006 entre o Estado e Berardo ainda não foi tornada pública – o Governo disponibilizou ao final da tarde uma síntese do documento que não traz muitas novidades em relação ao que fora já divulgado esta manhã, embora através dela se fique a saber, por exemplo, que, no caso de o Estado vir a optar por comprar a Colecção Berardo antes do final de 2022 ou de qualquer outro prazo depois estabelecido, será feita nova avaliação independente do acervo (a que serve de base ao acordo original abrange 862 obras e é de 316 milhões de euros).

O Bloco de Esquerda pedira já esta terça-feira para conhecer os termos do documento, fazendo uma série de perguntas ao ministro. Castro Mendes garante que vai responder em breve.

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