De mãos portuguesas nascem produtos de excelência

Recorrendo a métodos distintivos e a matérias-primas de qualidade, os nossos artesãos destacam-se cada vez mais. Prova disso é a presença que marcam na Feira Internacional do Artesanato, que decorre até domingo, na FIL.

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FIA 2019 LionelBalteiro/LaMousse
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É considerada a maior feira ibérica de homenagem à multiculturalidade – porque nela estão representados 40 países dos cinco continentes – mas visitá-la tem em nós o efeito imediato de reforçar o imenso orgulho que sentimos dos produtos portugueses. Referimo-nos à Feira Internacional do Artesanato (FIA) de Lisboa, que embora seja uma enorme montra do melhor que se faz no mundo naquela área (num total de 650 expositores oriundos dos quatro cantos do globo) concede ao artesanato português um pavilhão inteiro para se mostrar. Razões para o destaque não faltam e essas foram-nos sendo reveladas no decurso das várias conversas que mantivemos ao longo do dia de abertura do certame, que decorre na Feira Internacional de Lisboa (FIL): elevada qualidade dos produtos, respeito por excelentes matérias-primas, recurso a técnicas antigas e também inovação. É, pois, esta a combinação que explica a grande aceitação do artesanato português e justifica também a aposta do programa “Portugal Sou Eu”, que levou à FIA um total de 16 artesãos nacionais - veja o vídeo da inauguração

Presente na inauguração da feira, o secretário de Estado da Defesa do Consumidor, João Torres, realçou precisamente a procura crescente de que o nosso artesanato é alvo, “não apenas por estrangeiros como também por portugueses”, e prova disso é, nas suas palavras, “a enorme afluência” à feira. Note-se que quase um quarto dos artigos (23%) que apresentam o selo identificativo “Portugal Sou Eu” – a iniciativa do Governo destinada a estimular o consumo de produtos nacionais - provêm de actividades artesanais.

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João Torres, Secretário de Estado da Defesa do Consumidor Lionel Balteiro / La Mousse

Questionado sobre a relevância do programa, o responsável não hesita em considerar que este “serve os interesses de Portugal”. Como o faz? “Ao dar uma muito maior visibilidade aos produtos portugueses, o programa aproxima essa oferta nacional dos consumidores, que estão cada vez mais disponíveis para, quando realizam uma compra no seu dia-a-dia, optarem por um produto português”, responde. Para o governante, os benefícios económicos são evidentes: “Sabemos que o programa Portugal Sou Eu é muito relevante para que a nossa balança comercial seja mais reforçada de forma positiva e ajuda as empresas portuguesas a afirmarem os seus produtos e a sua produção.”

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FIA 2019 Lionel Balteiro / La Mousse

Programa é para continuar

Tendo em conta a relevância do programa, que vai já na terceira fase, o secretário de Estado mostrou-se optimista quanto à sua continuidade. Realçando o investimento público de 2,5 milhões de euros na iniciativa, sublinhou a “muita consideração” em que o Governo a tem e garantiu o interesse no prolongamento: “Continuaremos a investir para dar a conhecer os produtos portugueses, para valorizar os produtos portugueses e para aproximá-los dos consumidores nacionais.”

Competitividade e crescimento

Ciente das vantagens do programa está também Norma Rodrigues, directora-geral da Associação Industrial Portuguesa (AIP), uma das várias entidades parceiras da iniciativa: “Permite promover a valorização dos produtos nacionais, aproxima o consumidor das empresas que têm uma grande incorporação nacional e dessa forma ajuda a que as empresas sejam mais competitivas, mantenham emprego e contribuam para a produção nacional.”Além disso, considera que o programa favorece também “a aproximação entre empresas”, que é outro dos objectivos da AIP: “Nós apostamos muito em que as empresas incorporem valor através de produtos intermédios, comprando a outras empresas portuguesas.”

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Norma Rodrigiues, Directora-geral AIP Lionel Balteiro / La Mousse

Fazendo um balanço “muito positivo” do “Portugal Sou Eu”, a AIP vê-o mesmo como “um programa intemporal”. “Nasceu na fase do ajustamento, em plena crise, onde havia uma grande retracção de consumo internacional e era muito importante estimular o consumo de produtos produzidos em Portugal. Hoje estamos numa fase de crescimento e o programa continua a ser importante, porque o mundo aposta em produtos inovadores, em produtos altamente competitivos, com qualidade e Portugal tem”, justifica

Portugal está na moda

Para Norma Rodrigues, há que destacar também aquilo que designa como um “contexto favorável” ao nosso país, lembrando que “Portugal está na moda e é premiado em vários sectores”. “Direi mesmo que é possível que muitos produtos portugueses têm já em si um premium que atrai o consumidor”, acrescenta. João Torres partilha da mesma opinião, sublinhando que os portugueses “estão cada vez mais atentos à oferta nacional” e também “mais disponíveis para comprar esses produtos”, ainda que possam eventualmente “ter de pagar um pouco mais”.

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José Pedro Marques, Science Track Lionel Balteiro / La Mousse

Um selo que credibiliza

A maior sensibilização dos consumidores nacionais para a origem do produto é uma realidade percepcionada pelos diversos aderentes ao programa, nomeadamente por José Pedro Marques, artesão responsável pela Science Track. Criador de jogos, brinquedos e kits lúdicos e pedagógicos, construídos em materiais naturais como madeira, cortiça ou papel reciclado, entende que “os portugueses estão consciencializados em relação ao produto tradicional, especialmente com o selo do Portugal Sou Eu”. Corrobora que o país está “em voga”, o que leva clientes - turistas incluídos - a procurarem com exactidão aquilo que pretendem: “Reconhecem perfeitamente o selo e até vão à procura na base de dados do Portugal Sou Eu.”

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Pedro Cabral, Art Rústica Lionel Balteiro / La Mousse

A preferência de estrangeiros pelo selo é destacada também por Pedro Cabral, da Art Rústica, segundo o qual, desta forma “eles reconhecem que é um produto nosso e daí não o quererem tirar da peça.” Igual perspectiva é partilhada por Teresa Costa, uma das primeiras artesãs a fazer parte do “Portugal Sou Eu”. Ao longo dos oito anos que leva nesta actividade tem observado que “os clientes dão mais valor ao que é português, ao tradicional, ao que é feito à mão” e concorda que os consumidores não só reconhecem o selo, como o “identificam logo com qualidade”.

Maior visibilidade aos produtos

Além da identificação do produto como sendo nacional, os artesãos aderentes destacam ainda como vantagem do programa a notoriedade que este lhes concede. Luís Nogueira, que fabrica peças de vestuário e acessórios em burel para a marca com o seu próprio nome - By Luís Nogueira – refere precisamente “a visibilidade que este programa traz aos produtos”.

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Luís Nogueira, By Luís Nogueira Lionel Balteiro / La Mousse

A dimensão relacionada com a comunicação é reconhecida pelo secretário de Estado da Defesa do Consumidor, para quem “os aderentes saem beneficiados através de múltiplas frentes”, particularmente no que toca à divulgação. “Os produtos Portugal Sou Eu estão de alguma forma numa cadeia de produtos que tem uma imagem mais uniformizada através do selo Portugal Sou Eu, um selo que hoje tem uma notoriedade cada vez maior”. Na sua opinião, este reconhecimento é “não apenas uma marca distintiva em relação à dinamização da produção nacional, como é também uma marca distintiva em relação à qualidade”.

Trabalhar em grupo

Paula Pão Alvo, da Cosmic Shoes, diz-nos igualmente que “quando estamos distinguidos por um determinado rótulo é sempre mais fácil demonstrarmos algumas das qualidades dos nossos trabalhos e uma delas é trabalharmos com matérias-primas portuguesas”. Este é o seu caso, já que nos sapatos que produz usa apenas peles nacionais e é essa a razão principal por que integra o programa.

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Paula Pão Alvo, Cosmic Shoes Lionel Balteiro / La Mousse

A artesã de calçado com 32 anos de actividade enfatiza ainda outra vantagem do “Portugal Sou Eu”: “Quando trabalhamos em grupo é sempre benéfico, pois conseguimos sempre mais coisas quando estamos em conjunto do que se estivermos sozinhos.”

Outro dos benefícios destacados por Paula Pão Alvo – como, aliás, por todos os artesãos com quem falámos - diz respeito aos “descontos nos eventos e certames” de que beneficiam ao participarem em representação da iniciativa governamental.

Inovar na tradição

Fazer artesanato é manter uma relação permanente com técnicas antigas - preservando-as - mas inovando sempre que possível. Só assim a tradição se mantém. E é assim também que Luís Nogueira tem trabalhado desde que, em 2012, começou a dedicar-se ao burel, na zona de Gouveia. Explica-nos que este tecido “é um produto 100% artesanal, fabricado na serra da Estrela a partir da lã de uma raça de ovelha autóctone, a Bordaleira”. Por ter um pelo curto mas muito denso, a lã da ovelha Bordaleira dá origem ao burel, um tecido bastante compacto e com características únicas, pois é impermeável, resistente, não corrosivo, não inflamável e muito quente.

Quando começou o seu projecto, este era um tecido “que estava bastante esquecido”, usado na serra quase exclusivamente para o traje de pastor. Mas Luís Nogueira meteu mãos à obra e, apelando à sua formação em Educação Visual e Tecnológica, inovou no design e na técnica sem desvirtuar a tradição. Hoje produz peças práticas e citadinas, de uso quotidiano, sobretudo na área do vestuário feminino e também nos acessórios, como malas e carteiras. O facto de trabalhar o burel termocolado abre-lhe ainda mais as portas da criatividade, já que se trata de um tecido com duas faces, o que lhe permite ter duas cores no mesmo burel.

Numa altura em que os consumidores estão muito atentos à sustentabilidade do planeta, bem como aos riscos inerentes a determinadas matérias-primas, esta é uma dimensão cada vez mais cuidada pelos artesãos. Inovar pela recuperação de técnicas antigas é, pois, também o que faz Paula Pão Alvo, que para a produção dos seus sapatos opta sempre por peles de curtimenta vegetal, isto é, “peles que não contêm crómio, são curtidas de forma muito ancestral e não têm produtos químicos nocivos nem ao meio ambiente nem ao ser humano”.

Pôr o antigo a dialogar com a novidade foi também a premissa de José Pedro Marques ao criar a Science Track. No seguimento de um mestrado em Gerontologia Social, no qual trabalhou com idosos e crianças, apercebeu-se de que “havia falta de transmissão de conhecimento imaterial” dos mais velhos para os mais novos. E percebeu ainda outra coisa interessante: afinal, os mais pequenos estavam ansiosos por conhecer essas histórias de antigamente “e não só a tecnologia”. Daqui à concretização da sua ideia foi um passo e hoje produz jogos e cartas, “interligando a cultura e a tradição com a ciência”.

Estes e outros trabalhos feitos por mãos habilidosas e com selo nacional podem ser vistos até dia 7 de Julho na FIA. Tanto o artesanato – mas também a inevitável gastronomia – merecem bem a visita de todos nós, portugueses ou não.