Uma proposta para a reforma do sistema político: de facto!

É necessário recentrar as escolhas de quem possui responsabilidades governativas na competência e não na habilidade de conseguir percorrer o comum processo dinástico da carreira política.

Há anos que se ouve falar da reforma do sistema político. Também há anos se diz, se perceciona e se comprova, em diferentes estatísticas, que as pessoas estão a perder a confiança no sistema político. Há anos que se tenta mudar, deixando tudo na mesma. Porquê, perguntamo-nos? Acredito que não por más intenções. Antes, parece ser o reflexo do medo de enfrentar uma realidade que seja, de facto, diferente.

Não há sistema melhor que a democracia, ou pelo menos ainda não conheci nenhum que o seja. Mas, em verdade, a democracia é descrita como o menos imperfeito de todos os sistemas, o que necessariamente implica o reconhecimento de muitas falhas. Falhas essas que decorrem, essencialmente, da natureza humana. Das pessoas e da forma como sentem, pensam e se comportam.

A característica ao mesmo tempo mais distintiva e mais estimulante das pessoas é serem diferentes entre si. Muitas vezes muito diferentes entre si. Por isso se torna tão difícil encontrar uma noção de bem comum que o seja de facto. A base do conceito de dignidade humana, um dos valores considerados universais, reside na ideia de que ninguém melhor do que o próprio pode definir o que é melhor para si.

Nesse sentido, é natural que o ser humano procure o que é bom (melhor) para si, o que muitas vezes pode não ser o que é bom (melhor) para o outro. Isso tende a tornar a pessoa num ser egoísta, o que em si mesmo não constitui nenhum problema, desde que se consiga um equilíbrio que previna e evite o benefício de poucos em detrimento do de muitos. Uma das falhas da democracia parece estar aí mesmo, pelo que a mudança terá que surgir exatamente nesse sentido. Mas como?

Sou defensor de todo o tipo de mediação. É necessária mediação na saúde, por isso existem psicólogos, médicos e outros profissionais. É necessária mediação na justiça, por isso existem advogados, juízes e procuradores. É necessária mediação na informação, por isso existem jornalistas. É necessária mediação no governo da “coisa pública”. Por isso existem políticos.

Em todas estas áreas é fundamental que exista confiança nos mediadores, sob pena da mediação falhar e deixar as pessoas entregues a si próprias, com os naturais desequilíbrios de cada um defender aquilo que é seu e apenas a sua visão ou o que deseja. Ou seja, a mudança urgente parte necessariamente do incremento da confiança nos mediadores e nunca no seu contrário.

Mas como promover essa confiança num momento em que mais parece promover-se o contrário, a desconfiança? Antes de mais, será essencial que se inverta a perceção que existe, gerando e reforçando a crença de que quem está a mediar está a fazê-lo em função do bem comum e não em função do seu próprio interesse e/ou do interesse de um determinado grupo. Pessoalmente creio nas boas intenções da maior parte dos agentes mediadores, nomeadamente dos políticos.

Como em todas as áreas, haverá com certeza alguns, poucos, mal-intencionados, e quanto a esses não haverá muito a fazer senão promover a eficiência e eficácia da justiça, quando disso trata, e a penalização política. Não acredito, porém, que a maioria seja mal-intencionada, ainda que pareça crescer o número de pessoas que nisso acreditam. O que o justificará?

Defendo que a resposta a esta questão está intrinsecamente ligada à ausência da tal reforma de facto do sistema político, apesar dos amplos anúncios nesse sentido. É hoje claro, até do ponto de vista da comprovação científica, que o poder pode “corromper”. E pode corromper tanto mais quanto mais tempo a pessoa está ligada à cadeia de poder. Uma parte da reforma de facto assentaria na promoção de “ligações” mais curtas, logo gerando menos hábito e habituação.

Olhando, hoje, a classe política, verifica-se que continua a funcionar como uma espécie de elite, quase dinástica. Não raras vezes começa-se nas juventudes partidárias e faz-se um percurso ascendente até aos ansiados cargos de nomeação política e de responsabilidade governativa. Ora, hoje, tal sistema não faz qualquer sentido. Em sentido contrário argumenta-se normalmente com a questão da “confiança e da preparação política”.

Que quem governa tem que se rodear de pessoas da sua confiança pessoal. Mas que confiança se constrói que não aquela assente na competência? Posso confiar muito em algumas pessoas que me são próximas, mas seguramente não as escolheria para, por exemplo, me submeterem a uma intervenção cirúrgica, se não fossem claramente competentes para tal. Questiono-me porque se fará tanto isto na política? E invariavelmente me confronto com a ideia da habituação e de uma cadeia e um sistema montado desta forma.

Bem como com a evidência que se “A” confiou em “B”, mais tarde, “B” tenda a confiar em “A”. O mais grave é que esta prática se instala tão disseminadamente que a certa altura há tantos “A’s”, “B’s” e “C’s” (entretanto gerados) que a competência não é o fator primordial para a escolha. E reforço que creio que isto se faça com a melhor das intenções, de uma forma inadvertida e muitas vezes sem consciência clara de que assim se está a decidir e de que variáveis estão a influenciar a decisão.

Mas, aqui chegados, como resolver esta situação? Curiosamente parece-me bastante mais simples do que se poderia julgar. É necessário recentrar as escolhas de quem possui responsabilidades governativas na competência e não na habilidade de conseguir percorrer o comum processo dinástico da carreira política. São necessários administradores e gestores da “coisa pública” que sejam, de facto, mais-valias e que não se sintam, ainda que inadvertidamente, comprometidos com o seu percurso.

Uma solução possível, se não a solução, parece-me ser condicionar os cargos de nomeação política e até os eletivos a pessoas com mais de 40 anos de idade. Uma decisão neste sentido resolvia dois problemas de uma só vez. Aumentaria a probabilidade destes futuros governantes terem previamente desenvolvido atividades profissionais e, pela sua própria prática, conhecerem e reconhecerem as realidades do país. O carreirismo político seguramente diminuía e a escolha pela competência, e logo a competência, corria o sério risco de aumentar.

Por outro lado, tenderiam a vir desempenhar estes cargos apenas aqueles que, por diversos motivos, se tivessem destacado nas suas áreas de atuação, quaisquer que fossem, pois o Estado tem importância em quase todas as áreas sociais. Neste cenário, teriam de ser devidamente compensados por se dedicarem temporariamente à causa pública, “vendendo” a sua competência ao país e a todos nós.

Poderemos discutir as dificuldades e as falências da mudança que proponho. Elas existem, como em todas as propostas de mudança. Mas estou muito seguro que se considerarmos esta possibilidade todo o sistema irá de facto mudar e teremos espaço para evoluir e encontrar as respostas necessárias ao grave problema que enfrentamos.

Mudemos então!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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