Dior, o costureiro de sonhos

Numa terra ainda em sangue, sequiosa de cor, gosto e bem vestir depois da austeridade da guerra, o mundo caiu aos pés de Dior diante da revolução efectuada na silhueta feminina, onde cinturas estreitas davam azo a saias, corpetes e casacos voluptuosos e fulgurantes, rompendo com o modo de vestir até então e dando ao mundo o new look da mulher de hoje.

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Will Oliver/Lusa

Este fim-de-semana tive o privilégio de ir à exposição, há muito esgotada, de Christian Dior, no Victoria and Albert Museum (V&A). Não sem alguma luta, confesso, da parte da Ana e da Susana, e com alguma razão, sob risco de aborrecer de morte este cérebro primata. Mas o saber não ocupa lugar, sendo preciso estar aberto a novas experiências, mesmo as mais singulares. E, assim, a Susana comprou bilhetes para os três e lá fomos. 

Sentindo-me no meio da moda como um burro a olhar para um palácio, comecei a exposição pela vida de Christian Dior, filho de uma família rica do princípio do século XX e nada de acordo com as tendências inatas e artísticas de quem, na pele do jovem Christian, se arriscava a manchar o bom nome dos Dior. Com uma vida curta de pouco mais de 50 anos, Dior só fez nome como estilista independente nos dez anos a seguir à Segunda Guerra Mundial. Mas nestes dez anos, o fulgor. E nestes dez anos, a arte e o génio. Numa terra ainda em sangue, sequiosa de cor, gosto e bem vestir depois da austeridade da guerra, o mundo caiu aos pés de Dior diante da revolução efectuada na silhueta feminina, onde cinturas estreitas davam azo a saias, corpetes e casacos voluptuosos e fulgurantes, rompendo com o modo de vestir até então e dando ao mundo o new look da mulher de hoje. 

A impressão na retina é de cada vestido, cada peça de roupa, cada par de sapatos, cada chapéu, como um quadro, uma obra de arte para vestir. E sim, uma obra de arte é cara, e por aqui se percebe o preço, e a felicidade, de vestir Dior.

Peça após peça, saia após saia, vestido após vestido, uma explosão de cor e formas, aqui uma rosa em vez de uma cintura, ali uma cascata de socalcos verdes no lugar de uma saia, flores e sonhos bordados à mão, um após o outro em noites imensas e sem fim onde só as mulheres podem reinar.

Dior, a sua vida e a sua obra fizeram-me perceber como cada mulher tem direito a ser bonita, admirada, desejada, e tal acontece, por magia em cada uma das suas peças. Bastava olhar à volta, para os olhos de quem comigo acompanhava a exposição, para os olhos e sorrisos, automáticos, rasgados, os olhos também rasgados, espalhados em longos sorrisos, para compreender a vitória que foi ter em Dior o maior admirador das mulheres de todo um século. 

Mas mais. Dior criou uma mão cheia de génios, igualmente grandes, onde se incluem Saint-Laurent, Galliano, Ferre, num legado que se perpetuará ao longo de séculos.

Para quem tenha a sorte de ver a vida e obra de Christian Dior nesta exposição, guardo o melhor para o fim, uma verdadeira apoteose, como se todo o Louvre pudesse caber numa sala só. E pode.

Ainda hoje não se sabe muito bem a origem do ataque cardíaco responsável pelo fim precoce de Christian Dior, se por esforço sexual se fruto de uma espinha na garganta. Mas o seu fim foi isso mesmo, precoce, deixando órfãs todas as mulheres. Mas não só. Porque nós, homens, podemos ser uns primatas hirsutos e capazes de pouco, mas sabemos reconhecer a beleza onde ela existe e maravilharmo-nos quando entramos no baile e uma mulher veste Dior. Por tudo isto, o meu obrigado eterno. Christian, contigo o mundo fez-se Dior.

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