Uma escola de Matosinhos mascarou os alunos de “africanos” e as críticas não tardaram

Na sequência de um desfile de Carnaval em que alunos e adultos pintaram a cara de negro, o estabelecimento de ensino foi acusado de racismo.

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Cara pintada de preto, leggings pretas, peruca e acessório para a cabeça são os itens de uma lista de material requisitada pela Escola Básica do Godinho, em Matosinhos, aos alunos deste estabelecimento de ensino, publicada na página de Facebook da Associação de Pais (AP) da escola. Nenhum destes elementos seria usado em qualquer disciplina do plano curricular. A ideia seria usá-los num desfile, em dia de festa que se esconde atrás de máscaras. O cortejo estava marcado para a última segunda-feira. Cumpriu-se o planeado e o desfile fez-se. A EB do Godinho decidiu celebrar o Carnaval pedindo a alguns alunos da escola que se mascarassem de “africanos”.

Fora do desfile, alunos e alguns adultos posaram para a fotografia. O momento foi partilhado na mesma rede social onde tinha feito o anúncio. Cara pintada de negro, perucas fartas e encaracoladas, trajes coloridos e tribais, saias de palha, colares de missangas e argolas no nariz, há um grupo de adultos que posa para a posteridade com sorriso largo. O mesmo acontece numa foto de grupo com os alunos. O objectivo, diziam, era promover a diversidade.

Mas há quem ache precisamente o contrário e o acontecimento não passou em claro na página de Facebook de um movimento que denuncia casos de Blackface em Portugal. A celeuma subiu de tom a associação de pais acabou mesmo por remover a publicação original.

Face a este imbróglio, a Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Básica do Godinho lançou um comunicado. Diz a nota publicada no Facebook que no desfile estavam presentes outras escolas do Agrupamento de Escolas de Matosinhos (AEM), que, “juntamente com os professores das escolas”, escolheram para este desfile o tema Culturas do Mundo. Na sequência desta decisão ficou decidido que a EB do Godinho representaria o continente africano. Entre outras, “foram representadas várias culturas”, como a brasileira e a chinesa. O propósito, lê-se, seria “celebrar a diversidade cultural”.

Para isso, “nas semanas anteriores” ao desfile, o tema foi levado para a sala de aula para que os alunos pudessem conhecer a “riqueza cultural de cada povo”.

Lê-se no comunicado que “as vestes usadas tentaram representar a riqueza da sua cultura, com os tecidos tradicionais africanos”. A AP lamenta que esta abordagem “tenha sido interpretada como Blackface”, sublinhando que não foi essa a intenção, “nem nunca esteve subjacente qualquer comentário racista”.

O Blackface refere-se à prática teatral levada a cabo por actores brancos que pintam a cara de negro para interpretarem personagens de origem africana. Nos Estados Unidos da América, o fenómeno popularizou-se durante o século XIX, dando origem a uma imagem estereotipada dos afro-americanos. Na década de 1960, esta prática passou a ser considerada ofensiva.

Em Portugal, mais recentemente, o movimento anti-Blackface foi ganhando alguma expressão nas redes sociais ao denunciar alguns casos que considera entrarem nesta esfera. Algumas situações referidas pelo movimento foram consideradas exageradas por alguns actores e comediantes portugueses, nomeadamente quando as acusações se dirigem a sketches protagonizados por elementos de um grupo fixo de actores de um programa de televisão que têm de encarnar uma personagem que remete para uma figura pública de origem africana.

Contactada pelo PÚBLICO, da escola disseram que a direcção não estava disponível para qualquer esclarecimento. A Associação de Pais considera o caso um mal-entendido.

Entretanto, na sua página de Facebook, o dirigente do SOS Racismo e membro do BE Mamadou Ba critica a iniciativa: "Em pleno século XXI, um país onde se fala de 'raças' às crianças, é um país a reinventar. Em pleno século XXI, um país que precisa de 'fantasiar' com africanos para 'celebrar a diversidade', é um país que precisa urgentemente de se curar da colonialite aguda. A resposta da associação de pais da escola não tardou, invocando a diversidade, esta palavra fetiche que tem servido para nos iludirmos e tentar esquecer o quão racistas somos, enquanto sociedade. É tudo desprezível, da ideia à sua tentativa de justificação".

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