Fábio Penteado, o arquitecto de uma obra só

Irradiações é a nova exposição da Casa da Arquitectura, em Matosinhos. É um zoom sobre o Centro de Convivência Cultural em Campinas, uma obra única de um autor da Escola Paulista.

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Quem tiver já visitado na Casa da Arquitectura, em Matosinhos, a exposição Infinito Vão, dedicada aos últimos 90 anos da arquitectura brasileira – o que poderá ainda fazer até 29 de Abril –, pode ter reparado, sensivelmente a meio do percurso, nos desenhos e imagens que documentam o Centro de Convivência Cultural (CCC) em Campinas (1967-68), de Fábio Penteado (1929-2011). Ou talvez este nome lhe tenha passado despercebido, ao lado dos projectos de figuras mais notórias, como Vilanova Artigas (Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) ou Lina Bo Bardi (Museu de Arte de São Paulo), logo a seguir ao painel dedicado à criação de Brasília, com Lucio Costa e Oscar Niemeyer em destaque.

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Quem tiver já visitado na Casa da Arquitectura, em Matosinhos, a exposição Infinito Vão, dedicada aos últimos 90 anos da arquitectura brasileira – o que poderá ainda fazer até 29 de Abril –, pode ter reparado, sensivelmente a meio do percurso, nos desenhos e imagens que documentam o Centro de Convivência Cultural (CCC) em Campinas (1967-68), de Fábio Penteado (1929-2011). Ou talvez este nome lhe tenha passado despercebido, ao lado dos projectos de figuras mais notórias, como Vilanova Artigas (Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) ou Lina Bo Bardi (Museu de Arte de São Paulo), logo a seguir ao painel dedicado à criação de Brasília, com Lucio Costa e Oscar Niemeyer em destaque.

No entanto, Fabio Penteado é um nome a reter na história da arquitectura brasileira. Não apenas pela obra construída, mas também como jornalista (foi editor da revista Visão e autor do programa de televisão Arquitectos na TV, nas décadas de 50 e 60). E pela sua contribuição para a definição daquilo que a historiografia designa como a Escola Paulista na arquitectura, ao lado do já referido Vilanova Artigas, mas também de Paulo Mendes da Rocha – arquitectos amigos com quem assinou, no final da década de 60, o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado, em Guarulhos, no Estado de São Paulo.

“Fabio Penteado é um membro da Escola Paulista, tem a mesma formação de Artigas e Mendes da Rocha, segue a coerência da estrutura e do programa, mas as formas que ele tem para realizar os seus projectos são completamente diferentes, e ninguém rivaliza com ele em termos formais”. A afirmação é de Francesco Perrotta-Bosch, arquitecto e curador da exposição que a Casa da Arquitectura inaugura este sábado, na sua galeria mais pequena, para dar a conhecer melhor o autor do CCC de Campinas.

Com o título Irradiações, a mostra segue o desenho do próprio equipamento: ao centro está a maqueta do projecto, distribuindo-se por outras quatro bancas desenhos e documentação relativos a outros tantos projectos anteriores que não chegaram a ser construídos, mas de algum modo prepararam o caminho para o CCC. São eles o monumento para a Praia Girón, em Cuba (1962), o monumento comemorativo dos 30 anos da cidade de Goiânia (1965), o Mercado do Portão, em Curitiba (1965), e o Teatro de Ópera, em Campinas (1966). Vêem-se ainda três fotografias de grande dimensão reproduzindo fotogramas de um documentário descoberto recentemente, que Penteado gravou com o fotógrafo e documentarista Thomaz Farkas. 

Perseguir uma ideia

Irradiações é uma selecção de desenhos absolutamente únicos na arquitectura brasileira”, diz Perrotta-Bosch, justificando a escolha do título: “Ninguém, como Fabio Penteado, tira esse partido radial, essa experimentação formal para os seus projectos”. E o curador – que é igualmente responsável pelo Arquivo Fabio Penteado, actualmente em instalação em São Paulo – explica que uma característica muito curiosa no trabalho do arquitecto é ele ter insistido na mesma ideia projectual em sucessivos concursos até que conseguiu concretizá-la na sua terra natal, com o CCC.

Nesse percurso que decorre ao longo de toda a década de 60, “a ideia da irradiação surge claramente em 1962, no monumento para a Praia de Girón. Na véspera do concurso internacional, Penteado decidiu enviar uma pequena maqueta feita com paus de gelados. Ficou em segundo lugar, mas a ideia agradou sobremaneira a Fidel Castro, e só não foi avante porque o Golpe Militar no Brasil, em 1964, interrompe as relações diplomáticas entre os dois países, e o arquitecto é mesmo impedido de viajar para Cuba.

Nos projectos para Goiânia e para Curitiba, o arquitecto encena já a ideia da praça pública associada à da irradiação. O espaço público é também determinante no Teatro de Ópera de Curitiba. Aqui, Penteado ficou também em segundo lugar, mas, no ano seguinte, o Governo brasileiro fez-se representar na primeira edição da Quadrienal de Teatro de Praga (1977) com os três primeiros classificados nesse concurso. O projecto de Penteado sai da então capital da Checoslováquia com a… Medalha de Ouro!

“Então ele não é bom o suficiente para Campinas, mas ganha em Praga?”, exclama Perrotta-Bosch, explicando que os responsáveis políticos da cidade acabaram por assumir uma espécie de mea culpa, convidando-o para desenhar o novo centro cívico. E aqui Penteado consegue finalmente concretizar a sua ideia seminal: constrói um anfiteatro que é simultaneamente uma arena e uma praça pública, que os cidadãos tanto usam – os estudantes e jovens fazem aí os seus ensaios e performances – como atravessam no seu quotidiano. O CCC é uma grande teatro dessacralizado, formado por quatro arquibancadas concêntricas, uma torre inclinada de iluminação, um foyer, um restaurante e uma galeria de exposições, tudo em betão aparente.

O centro cultural foi entretanto classificado, e está agora vedado, à espera de obras de restauro.

“A graça destes estudos”, nota o curador de Irradiações, é que Penteado utiliza a mesma ideia para diferentes finalidades. “Tanto pode ser um monumento, um mercado, um museu ou um teatro, nos lugares mais díspares, ele vai experimentando e adaptando, mas não é algo engessado; cada projecto tem as suas características muito particulares”, acrescenta Perrotta-Bosch.