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Não era só um cão. A dor na perda de uma companhia animal

Olesya Lykovi perguntou ao médico veterinário: "Ele já partiu?" Dani McVety repondeu: "Ele já tem asas agora." ©Ross Taylor
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Olesya Lykovi perguntou ao médico veterinário: "Ele já partiu?" Dani McVety repondeu: "Ele já tem asas agora." ©Ross Taylor

Quando Dingo se preparava para morrer, Juliet Rubio abeirou-se dele e deitou-se encolhida ao seu lado. Com a mão pousada na cabeça do cão de 12 anos, repetiu, vezes sem conta: “Odeio isto, odeio isto”. “Adoro-te. Em breve, voltarás a ser livre.”

O momento em que a norte-americana perdeu o animal de companhia ficou registado numa fotografia. Na sala, além dela e da equipa veterinária, estava ainda Ross Taylor, um fotojornalista norte-americano que ao longo de dois anos acompanhou um serviço ao domicílio de eutanásia em animais. Assistiu a quase 40 casos de tutores que optaram por eutanasiar o animal de companhia em casa e não num hospital veterinário. Em muitos deles, viu essas mesmas pessoas desatarem a chorar entre verdadeiras declarações de amor. “O que me surpreendeu mais foi o quão emocionalmente difícil é assistir”, relata, ao P3, descrevendo a experiência como “uma das mais intensas” que já teve. “A dor que as pessoas sentem é real.”

Legitimar (e mostrar) esta “dor” e o processo de luto que se segue era um dos principais objectivos do trabalho documental a que se autopropôs — que já "levava muito a sério". Mas queria mostrar a outros que pudessem estar a passar pela perda de um animal de companhia que “não estavam sozinhos”. Que esse luto não devia ser “inferiorizado”. Que era “legítimo” e, mais ainda, "universal". 

Last Moments "toca em algo que muitos experienciaram, mas sobre o qual não se fala". Por vergonha? “Acho que temos de ser mais bondosos uns com os outros durante estes momentos dolorosos”, comenta. Taylor seguiu este mesmo conselho quando uma das suas amigas mais próximas estava "a passar pela agonia de decidir eutanasiar o seu cão". "Fiquei profundamente emocionado ao ver a luta dela e o amor que tinha pelo cão. Sem qualquer dúvida, aquele foi um dos dias mais difíceis da vida dela." 

O fotojornalista de Denver começou depois a prestar mais atenção aos "memoriais" que amigos e conhecidos publicavam nas redes sociais, quase todas as semanas. Foram "esses testemunhos sombrios, mas belos, da ligação humano-animal e da dor que vem quando ela é quebrada" que o  inspiraram a testemunhar esses últimos momentos que raramente são transportados para "fora da dinâmica familiar", ou documentados. Ao mesmo tempo, percebeu que havia uma tendência em preferir que o animal morresse em casa, junto da família.

Vários dos projectos pessoais de Ross Taylor auscultam pessoas em situações traumáticas ou documentam zonas de conflito. Já esteve até nomeado para um Pulitzer pelo trabalho que desenvolveu num hospital de trauma no Afeganistão. "Ao longo da minha carreira sempre me senti atraído por ideias, pessoas e sítios que não tinham muita representação, especialmente em situações intímas como esta. Se eu senti isto tão intensamente, esperei que outros também o sentissem." Afinal, não "era só um cão".

Leigh Zahn a despedir-se uma última vez de <i>Spencer</i>, momentos antes de ele ser eutanasiado.
Leigh Zahn a despedir-se uma última vez de Spencer, momentos antes de ele ser eutanasiado. ©Ross Taylor
<i>Spencer</i>
Spencer ©Ross Taylor
Donald  Leibe a preparar-se para assistir à morte do cão.
Donald Leibe a preparar-se para assistir à morte do cão. ©Ross Taylor
Marquita Leibe e o marido, Donald,  minutos depois de <i>Daisy</i> morrer.
Marquita Leibe e o marido, Donald, minutos depois de Daisy morrer. ©Ross Taylor
"Ela foi sempre a minha companhia", disse Rebecca Cassity, enquanto tentava evitar as lágrimas.
"Ela foi sempre a minha companhia", disse Rebecca Cassity, enquanto tentava evitar as lágrimas. ©Ross Taylor
"O que é que vou fazer agora?", chorava David Thompson. "És o melhor amigo que eu poderia ter."
"O que é que vou fazer agora?", chorava David Thompson. "És o melhor amigo que eu poderia ter." ©Ross Taylor
Juliet Rubio deita-se ao lado de <i>Dingo</i>. "Odeio isto, odeio isto", repete, vezes sem conta, antes da injecção. "Ele deu-me tanto conforto. Adoro-te. Em breve vais ser livre outra vez".
Juliet Rubio deita-se ao lado de Dingo. "Odeio isto, odeio isto", repete, vezes sem conta, antes da injecção. "Ele deu-me tanto conforto. Adoro-te. Em breve vais ser livre outra vez". ©Ross Taylor
<i>Dingo</i>
Dingo ©Ross Taylor
"Quem me dera poder dar-lhe um comprimido mágico para o fazer sentir-se melhor", disse Gary Clay. "Vou sentir a tua falta, <i>Woody</i>."
"Quem me dera poder dar-lhe um comprimido mágico para o fazer sentir-se melhor", disse Gary Clay. "Vou sentir a tua falta, Woody." ©Ross Taylor
Ross Taylor distingue o trabalho dos médicos veterinários. Uma delas é Erica Unz, à direita, a confortar a família que se prepara para perder o animal de companhia.
Ross Taylor distingue o trabalho dos médicos veterinários. Uma delas é Erica Unz, à direita, a confortar a família que se prepara para perder o animal de companhia. ©Ross Taylor
"Eu tentei fazer mais, tentei fazer tudo o que pude. Mas eles disseram que não havia mais nada a fazer", lamentava Kiara Manrique.
"Eu tentei fazer mais, tentei fazer tudo o que pude. Mas eles disseram que não havia mais nada a fazer", lamentava Kiara Manrique. ©Ross Taylor
"Não sei se alguma vez estaremos prontos, mas acho que chegou o momento", disse Wendy Lehr, antes de começar a chorar compulsivamente. O fotógrafo chorou também. "Senti-me tão triste por eles", comentou.
"Não sei se alguma vez estaremos prontos, mas acho que chegou o momento", disse Wendy Lehr, antes de começar a chorar compulsivamente. O fotógrafo chorou também. "Senti-me tão triste por eles", comentou. ©Ross Taylor
"O que é que vou fazer sem ti?", chorava Wendy. Foi um dos momentos mais intensos que o fotógrafo testemunhou.
"O que é que vou fazer sem ti?", chorava Wendy. Foi um dos momentos mais intensos que o fotógrafo testemunhou. ©Ross Taylor
<i>Kai</i>, à direita, segue os donos, e <i>Asia</i>, a cadela que vai ser enterrada dentro de momentos.
Kai, à direita, segue os donos, e Asia, a cadela que vai ser enterrada dentro de momentos. ©Ross Taylor
"É difícil dizer adeus", expirou Carrie Peterson durante o funeral de <i>Asia</i>.
"É difícil dizer adeus", expirou Carrie Peterson durante o funeral de Asia. ©Ross Taylor