Reitores: “Passamos o ano a pedir dinheiro para cumprir obrigações”

Fontainhas Fernandes lembra que "o financiamento do Estado não é suficiente para o pagamento de salários, muito menos para o funcionamento das instituições e, portanto, está fortemente dependente de receitas próprias, onde as propinas têm um peso bastante significativo".

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Nelson Garrido

António Fontainhas Fernandes, 56 anos, fez parte da equipa que levou a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) à I divisão do râguebi nacional, no final da década de 80 do século passado. Quando começou a praticar a modalidade, ainda não havia terreno relvado e as tarefas de marcação dos campos ou a lavagem dos equipamentos eram partilhadas pelos atletas. No râguebi aprendeu um lema: “Ou estamos todos alinhados na estratégia, ou então não ganhamos.”

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António Fontainhas Fernandes, 56 anos, fez parte da equipa que levou a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) à I divisão do râguebi nacional, no final da década de 80 do século passado. Quando começou a praticar a modalidade, ainda não havia terreno relvado e as tarefas de marcação dos campos ou a lavagem dos equipamentos eram partilhadas pelos atletas. No râguebi aprendeu um lema: “Ou estamos todos alinhados na estratégia, ou então não ganhamos.”

É essa ideia que, enquanto presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), quer apresentar ao país com a Convenção Nacional do Ensino Superior com a qual os reitores querem, ao longo do próximo ano, discutir com a sociedade uma agenda para a década seguinte no sector. Mas, antes disso, ainda há problemas para resolver. O presidente do CRUP entra cheio de dúvidas no novo ano: com que Governo vai ser negociado o impacto da diminuição das propinas prevista no novo Orçamento do Estado (OE)? Quanto custa o programa de contratação dos precários do Estado e os aumentos salariais dos professores que vão progredir na carreira? Tem sido, assim todos os anos, queixa-se.

Reitor da UTAD desde 2013, onde é catedrático de Bioquímica Ambiental, Fontainhas Fernandes fez toda a carreira académica em Vila Real. Chegou ali “por engano” para estudar Agronomia. Um erro na candidatura afastou-o da primeira opção, mas este minhoto nascido em Guimarães e com raízes em Monção acabou por encontrar na cidade transmontana a sua casa.

A avaliação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), pedida pelo Governo no início deste ano, sobre o ensino superior nacional, identificou a necessidade de aumentar em 100 milhões de euros o investimento no sector até 2030 para convergir com a Europa. Como se pode falar em valores desta grandeza, quando os reitores continuam a discutir todos os anos com o Governo por causa de reforços de 7 ou 8 milhões?
Os futuros governantes terão que definir claras opções para o país. Se a estratégia do país é qualificar a população portuguesa, tem que, forçosamente, ser criado um plano de investimento e uma garantia de maior estabilidade, até plurianual, no financiamento das instituições.

Um orçamento plurianual para o superior já era um dos pressupostos para estes quatro anos quando as universidades e o Governo assinaram um acordo de confiança para a legislatura.
E que não foi atingido. Em cada ano, em Agosto, é atribuído pelo Governo um plafond às instituições, mediante o qual fazemos um orçamento. Depois, passamos o ano a pedir dinheiro para cumprir as nossas obrigações, em função das alterações legislativas entretanto aprovadas pelo Governo ou na negociação do OE. Isto não dá estabilidade às instituições.

O país está preparado para pôr mais dinheiro no ensino superior?
O país tem que fazer opções. Tem que dizer o que quer. Se quisermos apostar no ensino superior, o Orçamento do Estado tem que ter dotação para fazer face ao investimento que é necessário, sem recorrer sistematicamente a fundos comunitários.​

Arrepende-se de ter assinado o acordo para a legislatura?
Não, o contrato para a legislatura deu um sinal de confiança ao sistema. Permitiu evitar que estivéssemos sujeitos a cativações. Enquanto um professor do secundário, um polícia, um juiz ou um médico recebem da dotação do OE a globalidade do seu vencimento, no superior, a instituição que acolhe os professores tem que pôr uma parte do dinheiro para pagar salários.

Qual é esse valor?
No caso da UTAD, o OE chega apenas para 80% dos salários. E há instituições onde esse valor ainda é menor. As instituições têm que recorrer a outros mecanismos de captação de receitas próprias para pagar os salários e assegurar todo o funcionamento da instituição. Se quisermos dar mais estabilidade ao sistema e o quisermos modernizar, tem que existir uma dotação que nos aproxime da média europeia de investimento no ensino superior. O subfinanciamento crónico vai levar a pontos de ruptura. Vamos ter de lidar com o envelhecimento não apenas dos docentes, mas dos próprios funcionários, e com a necessidade de modernização das infra-estruturas e do parque laboratorial.

As universidades ainda estão a exigir reforços orçamentais para encerrar as contas de 2018, como aconteceu ano passado?
Isso está a ser visto caso a caso, tal como no passado. Existem instituições que reclamam ainda verbas para terminar o ano. Não é a maioria. A minha grande preocupação enquanto presidente do CRUP é saber como é que em 2019 vamos resolver dar resposta a uma questão que é premente que é a precariedade.

Deixe-me primeiro voltar a 2018. Quanto dinheiro é que ainda é reclamado pelas instituições para fechar o ano?
São questões pontuais. São duas ou três universidades que estão ainda a reclamar esse montante.

Para 2019, há alguma estimativa da verba que será necessária para fazer face às contratações por via do programa de integração dos precários do Estado, o Prevpap?
Nos casos que já estão encerrados os processos de análise das situações dos trabalhadores há um diferencial entre aquilo que é pago actualmente – e que é suportado pelas instituições – e o que passará a ser o custo dos novos contratos que vão ser celebrados. Esse diferencial devia estar claramente inscrito no OE.

E não está?
No OE, ainda não o vi.

E de quanto dinheiro estaríamos a falar?
Não lhe sei dizer.

Tem alguma estimativa na UTAD?
São cerca de 400 mil euros. Há universidades como o Porto e Lisboa onde o processo está bastante atrasado. Era preciso fazer aqui um cálculo entre as diferentes instituições. No caso da UTAD, nós temos todo o interesse em abrir os concursos para contratar os precários, mas necessitamos desse dinheiro para ter cabimentação financeira. Depois há a questão da redução do valor das propinas em 2019. O OE tem um articulado que diz que as universidades vão receber uma compensação.

Mas as propinas na verdade só têm impacto em Setembro de 2019.
A minha dúvida é qual será o interlocutor. Nessa altura devemos ter um Governo de gestão. Faria todo o sentido que antes ficasse esclarecido. A redução aprovada este ano terá um impacto na casa dos 40 a 50 milhões de euros.

Qual lhe parece ser o caminho ideal em termos de propinas? É acabar com elas de todo, como chegou a admitir o próprio ministro?
É um problema político e os partidos têm que colocar claramente em cima da mesa na próxima legislatura. O financiamento do Estado não é suficiente para o pagamento de salários, muito menos para o funcionamento das instituições e, portanto, está fortemente dependente de receitas próprias, onde as propinas neste momento têm um peso bastante significativo. Chega a atingir 10% a 20%. Se for entendimento de um futuro Governo fomentar o aumento do número de estudantes do ensino superior através da redução das propinas, têm que ter noção de que tem que existir compensação financeira. 

Portanto, o presidente do CRUP entra em 2019 cheio de dúvidas.
As dúvidas são todas estas que apresentei. Estas questões estão fora do OE. E há ainda a questão das valorizações salariais [em consequência do descongelamento das carreiras nas funções públicas]. O plafond que foi atribuído no OE apenas considera uma verba parcial. Em algumas instituições, no final de 2018, termina um ciclo de avaliação e haverá mais docentes que vão ser aumentados.