Reitores: “Os políticos não podem pensar o ensino superior apenas para uma legislatura”

Ao longo do ano serão seis as sessões, em diferentes universidades do país. Para debater temas como o combate às alterações climáticas, a questão da modernização pedagógica das instituições de ensino e a coesão territorial do país. O presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas diz que "para as grandes áreas, o país devia definir uma estratégia a médio prazo".

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Nelson Garrido

Depois de uma década de “estagnação” do sector, os reitores das universidades públicas querem discutir com a sociedade, ao longo do próximo ano, uma agenda para a próxima década. A Convenção Nacional do Ensino Superior começa a 7 de Janeiro, no ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa, e estão previstas mais cinco sessões em diferentes instituições do país. António Fontainhas Fernandes explica a ambição desse encontro.

Apresentou a convenção como um “tempo para pensar” o ensino superior. Vai haver esse tempo em ano eleitoral?
Todos aqueles que vão apresentar-se às eleições devem discutir uma agenda para uma década no ensino superior. Existem muitos desafios. Desde logo, é preciso aumentar a qualificação dos portugueses e o número de estudantes no superior.

Como vê o contexto social e político para uma discussão destas?
Para as grandes áreas, o país devia definir uma estratégia a médio prazo. A Irlanda definiu um plano de desenvolvimento para a responder à questão das assimetrias regionais até 2040 e fê-lo envolvendo a sociedade. Em determinadas áreas, devíamos promover também em Portugal grandes consensos com a sociedade.

Não temos muito essa tradição.
Não temos, é verdade. O país precisa de ouvir pessoas de fora e de dentro do sistema de ensino superior e criar linhas gerais para que, qualquer que seja o governo e os grupos parlamentares, haja um conjunto de políticas a implementar. Ultimamente os reitores reagem a legislação pontual e a cenários de muito curto prazo, como aconteceu recentemente com a diminuição das propinas ou o corte de vagas em Lisboa e Porto. O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) não pode ser apenas reactivo, tem de ser mais pró-activo.

Quando é que se tornou reactivo?
A grande preocupação de cada reitor é gerir a sua própria instituição, o que é uma tarefa cada vez mais complexa, que exige bastante tempo. Pessoalmente, o momento em que pensei melhor no sistema de ensino superior foi quando preparei a minha candidatura a reitor.

As universidades estão suficientemente preparadas para o impacto da perda de candidatos pelas vias tradicionais, por causa da demografia, que vai sentir-se já no próximo ano?
Temos de alargar a base de recrutamento, já que mais de metade dos jovens com 18 anos não concorre ao ensino superior. Porque acontece? Por questões económicas? Porque o ensino não é atractivo e os alunos preferem ir logo para o mercado de trabalho?

Qual será o resultado final da convenção?
No final de cada sessão, o reitor que a acolhe tem de fazer uma síntese. Depois das três primeiras sessões [além do necessidade de atrair mais alunos, que vai ser discutida em Janeiro, serão ainda debatidos a ligação entre o ensino e a investigação e a articulação entre as universidades e a sociedade, em sessões agendadas para Fevereiro e Abril], teremos um documento para propor ao país. Haverá uma interrupção para o período eleitoral, porque queremos fugir da agenda política. Após a formação do próximo governo, marcaremos um novo ciclo de temas.

Quais serão?
O combate às alterações climáticas, em linha com a agenda 2030 da ONU, em que as universidades deviam dar o exemplo. A questão da modernização pedagógica. E também a coesão territorial do país. A participação dos políticos em todas as áreas é fundamental porque eles têm de ter noção de que não podem pensar o ensino superior apenas para uma legislatura de quatro anos.

Já consegue fazer um balanço do primeiro ano da medida imposta pelo Governo de corte de 5% nas vagas das instituições das duas principais cidades?
No caso da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro foi o melhor ano de sempre. Foi a universidade que cresceu mais. Nos últimos quatro anos, aumentámos 27% o número de alunos do 1.º ciclo [licenciaturas] e, este ano, aumentámos 6%, num momento em que houve menos 3000 candidatos a nível nacional. Ninguém consegue imaginar o que teria acontecido se, com menos 3000 candidatos, não existisse a redução dos 5% [no litoral].

Impediu uma razia no interior?
Não sei se tem essa dimensão, mas sei que, se nada for feito, o sistema vai fazendo definhar as instituições de menor dimensão.

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