Reformados autorizados a trabalhar no Estado não vão perder dinheiro

Reforma continua a ser obrigatória aos 70 anos na função pública, mas lei clarifica que estas pessoas podem, excepcionalmente, ser autorizadas a manter-se no activo. E não vão perder dinheiro com isso.

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Paulo Pimenta

Os funcionários públicos continuam a ser obrigados a pedir a reforma quando chegam aos 70 anos, mas, em casos excepcionais, o Governo pode autorizá-los a trabalhar depois desta idade. A grande novidade é que os aposentados a exercer funções públicas passam a receber, além do salário, um acréscimo para os compensar pela diferença entre a remuneração e o valor da sua pensão, para que não percam dinheiro.

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Os funcionários públicos continuam a ser obrigados a pedir a reforma quando chegam aos 70 anos, mas, em casos excepcionais, o Governo pode autorizá-los a trabalhar depois desta idade. A grande novidade é que os aposentados a exercer funções públicas passam a receber, além do salário, um acréscimo para os compensar pela diferença entre a remuneração e o valor da sua pensão, para que não percam dinheiro.

O projecto de diploma apresentado aos sindicatos na semana passada, e que volta a ser discutido nas reuniões desta terça-feira, prevê várias alterações ao Estatuto da Aposentação e à Lei do Trabalho em Funções Públicas. Uma delas prende-se com as condições oferecidas aos reformados autorizados a trabalhar no Estado, quando o salário que recebem pelas funções que estão a exercer é inferior à reforma.

Trata-se de uma diferença significativa face ao que actualmente está previsto no Estatuto da Aposentação e que obriga os aposentados a suspender a pensão, ficando a receber o salário correspondente à função que desempenham - mesmo que seja inferior ao valor da pensão.

A nova norma aplica-se aos funcionários públicos reformados que tenham luz verde do ministro das Finanças e do ministério que os tutela para exercer funções públicas. No período em que durarem essas funções, os aposentados ou militares na reserva recebem a remuneração referente à função que desempenham, “mantendo o direito à respectiva pensão, quando esta seja superior, e no montante correspondente à diferença entre aquela e esta”.

Por exemplo, um aposentado que trabalhe para o Estado por um salário de 1000 euros e que tem direito a uma pensão de 1200, vai receber o salário acrescido de 200 euros, não perdendo dinheiro face à situação de aposentação.

Uma norma semelhante já estava prevista no Orçamento do Estado para 2018 para os aposentados a exercer funções públicas na área da cooperação e, em casos excepcionais, poderia aplicar-se a outras situações. Agora, o Governo decidiu generalizar a regra, alterando o artigo 79.º do Estatuto da Aposentação dos funcionários públicos.

Os especialistas em direito administrativo ouvidos pelo PÚBLICO, reconhecem que a medida pode servir de incentivo a que alguns funcionários públicos aposentados queiram manter-se em funções. Mas receiam que apenas um número limitado possa beneficiar.

O projecto de diploma também vem clarificar o exercício de funções públicas por parte dos funcionários públicos que se aposentam por limite de idade aos 70 anos (a lei determina que nessa altura os trabalhadores do Estado cessam funções), algo que gerava dúvidas e alguma contestação.

Actualmente, o Estatuto da Aposentação permite que os aposentados ou reservistas possam voltar a exercer funções públicas com autorização do Governo. A questão, nota ao PÚBLICO o advogado e especialista em direito administrativo, Paulo Veiga e Moura, é a falta de clareza quanto à possibilidade de esta autorização abranger também quem se reformou aos 70 anos porque foi obrigado.

“A pergunta que agora se fazia era se quem se reformou aos 70 anos podia ter autorização para voltar a exercer funções. Na minha opinião, o artigo 78.º do Estatuto da Aposentação só permitia que os aposentados sub-70 tivessem essa autorização”, refere.

“A virtude da proposta é tornar claro que os aposentados e reformados aos 70 anos podem voltar a trabalhar para o Estado”, acrescenta.

Mas, nota, esse não passa a ser um direito de todos os antigos funcionários públicos nessa circunstância. “Passa a ser uma expectativa, se o interesse público o justificar e se for autorizado”, esclarece.

Também o advogado António Franco não tem dúvidas de que a proposta não acaba com a reforma obrigatória aos 70 anos na função pública. O que faz é tornar mais atractivo que alguns aposentados aceitem voltar ao activo. “Com a crescente falta de pessoal em algumas áreas, está-se a permitir que alguns aposentados possam retomar funções”, nota. E, acrescenta, que a impossibilidade de acumular salário e pensão tornava era difícil convencer as pessoas – regra que também será alterada.

Questionado pelo PÚBLICO, o Ministério das Finanças confirmou através de fonte oficial que, de facto, “quando os trabalhadores em funções públicas atingirem o limite de idade, aos 70 anos, terão de se aposentar”, sem esclarecer por que razão optou por manter a reforma obrigatória nesta idade e não cumprir totalmente a recomendação da Assembleia da República. A mesma fonte lembrou que, “em casos excepcionais e mediante autorização, [os aposentados] poderão continuar a exercer funções, com contratos de trabalho de seis meses”.

Permanecer no activo por cinco anos     

O diploma prevê que, pelo menos seis meses antes de fazerem 70 anos, os funcionários públicos possam fazer um requerimento à entidade empregadora manifestando interesse em manter-se no exercício das mesmas funções “após a reforma ou aposentação por idade de 70 anos”.

A autorização é da responsabilidade do ministro das Finanças e do ministro que tutela o serviço e, caso seja dada, é celebrado um contrato de trabalho em funções públicas ou uma comissão de serviço (consoante os casos) pelo prazo de seis meses. Estes vínculos podem renovar-se por iguais períodos até um limite de cinco anos. A lei aplica-se também à designação de aposentados para cargos dirigentes.

José Abraão, dirigente da Federação de Sindicatos de Administração Pública, contesta a proposta por considerar que “é feita à medida para manter alguns insubstituíveis com fotografia”, acrescentando que isso é muito claro quando se alarga a medida aos cargos dirigentes que, defende, “devem ficar de fora”.

Pré-reforma depende de autorização das Finanças

A proposta que o Governo discute com os sindicatos nesta terça-feira também altera algumas regras disciplinares previstas na Lei do Trabalho do Trabalho em Funções Públicas, passando a abranger todos os trabalhadores do Estado pelo regime disciplinar.

Em cima da mesa vai estar tarde o diploma que regulamenta a pré-reforma no Estado e que prevê que a redução ou suspensão da prestação de trabalho depende de autorização prévia das Finanças.

Já o valor da prestação a pagar ao trabalhador é fixado por acordo e não pode ser superior à remuneração-base nem inferior a 25 dessa remuneração.

A prestação é actualizada anualmente em linha com os aumentos dados aos trabalhadores em exercício de funções e o período de pré-reforma conta para a aposentação e continua a ser obrigatório fazer descontos para a Caixa Geral de Aposentações.