Budistas já são tantos como os muçulmanos na Grande Lisboa, diz estudo

Crentes sem religião duplicaram para os 13,1%, mostra estudo Religião e espaço público da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do Centro de Investigação em Teologia e Estudos de Religião da Universidade Católica Portuguesa.

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Adesão ao budismo inscreve-se na procura de uma experiência religiosa "centrada na construção de si", aponta investigador Nuno Ferreira Santos

O peso dos budistas já é praticamente o mesmo que o dos muçulmanos na Área Metropolitana de Lisboa, mostra o estudo Religião e espaço público, da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do Centro de Investigação em Teologia e Estudos de Religião da Universidade Católica Portuguesa divulgado esta quinta-feira.

No quadro da paisagem religiosa da Grande Lisboa, onde os que se declaram crentes sem religião cresceram para o dobro, fixando-se nos 13,1%, os budistas romperam a invisibilidade: representam 0,7%, muito próximos, portanto, dos muçulmanos que pesam 0,8%. “Poderá explicar-se por se tratar de uma religião cujos princípios se coadunam facilmente com muitas das actuais tendências espirituais, com capacidade para atrair indivíduos urbanos e escolarizados”, interpreta o estudo.

AO PÚBLICO, o seu coordenador, Alfredo Teixeira, admite que esta visibilidade dos budistas (que, em rigor, não se sabe se o seu número aumentou ou diminuiu porque as grelhas usadas em estudos anteriores não os permitiam identificar) pode inscrever-se no chamado individualismo religioso. “Podem ser pessoas que andam à procura de uma experiência religiosa muito centrada na construção de si, na busca de propostas de sentido muito valorizadoras da identidade pessoal”, especificou. 

A dúvida do antropólogo é se, daqui a alguns anos, estes budistas surgirão inscritos noutros espaços de identificação religiosa: “A hipótese que colocamos, a partir de outros estudos, é que boa parte destes budistas se enquadra naquilo a que alguém chamou os “serial seekers”, ou seja, buscadores espirituais compulsivos, o que nos leva a admitir que muitos persistirão nesta trajectória e outros encontrarão lugar noutros espaços de identificação religiosa.”

A estabilização das minorias religiosas fez-se, como seria de prever, à custa da erosão dos que se dizem católicos: diminuíram para 54,9%. “Numa sociedade em que 90% se apresentavam como católicos, a diversificação só pode acontecer num quadro de diminuição do peso relativo da maioria católica”, desvaloriza Alfredo Teixeira.

O investigador ressalva, porém, que estes resultados não são extrapoláveis para o resto do país, até porque, já em 2011, Lisboa e Vale do Tejo aparecia, juntamente com o Algarve, como a região onde a identidade católica apresentava uma maior erosão.

Não crentes, a última periferia

Mas o grupo que mais cresceu foi o dos que se declaram crentes sem religião: 13,1%, ou seja, mais do dobro dos 6,1% que apareciam no estudo anterior Identidades Religiosas em Portugal (2011) — embora não seja possível uma comparação directa por causa da diferença de amostras. Isso “indicia que a constituição de conjuntos de indivíduos que se definem como crentes, mas que se encontram desvinculados de qualquer forma de pertença religiosa, se poderá tornar um fenómeno social cada vez mais relevante”, analisam os autores. 

“Estes crentes sem religião estão muito distribuídos entre os mais letrados e os menos letrados e entre as diferentes classes etárias”, caracteriza Alfredo Teixeira. O investigador vê nestes crentes sem religião “uma espécie de última periferia onde se encontra ainda o rasto da forte influência da herança católica”. Isto é, “são pessoas que até fizeram escolhas educativas para os seus filhos que incluíram alguma dimensão religiosa, mas que não sentem qualquer necessidade de vinculação a um credo ou a uma forma comunitária de vivência do religioso”.

Numa sociedade em que cada vez mais pessoas “dispensam a religião” enquanto elemento integrador numa comunidade, Alfredo Teixeira sustenta que estes 13,1% dos crentes sem religião mantêm “a predisposição para aceitar que alguma coisa existe para além de nós próprios, alguma forma de transcendência”. A questão é que “dessa abertura não decorre a necessidade de vinculação a qualquer credo ou conjunto normativo e moral”.

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Quanto ao futuro, “só uma continuada observação deste grupo permitirá perceber se estas pessoas estão numa trajectória de afastamento, isto é, se estes crentes serão daqui a algum tempo não-crentes, ou se se irão afastando ou aproximando da religião consoante a sua biografia, numa espécie de plasticidade religiosa”.

Actualmente, e de acordo com o estudo, se somarmos os crentes sem religião aos ateus (10%), aos agnósticos (6,9%) e aos indiferentes (4,9%), os “sem religião” ascendem a 35% da população estudada.

Evangélicos e protestantes são os mais activos

Como é que se caracterizam em termos de militância estes grupos? São os evangélicos e protestantes que se destacam neste aspecto, com 40% a dizer que está envolvido em grupos dentro das suas comunidades, um dado que contrasta com os católicos (10%) e com os muçulmanos (7,9%). Em relação aos católicos, o seu “fraco envolvimento comunitário, em termos relativos, é um traço típico de Igrejas que foram monopólios religiosos”, afirma o documento. Já os membros de outra confissão não-cristã e outros cristãos também têm uma participação comunitária elevada, superior a 35%. Mais abaixo encontram-se as Testemunhas de Jeová (25,5%) e os budistas (23,3%).

Em matéria de universalismo — ou seja, o reconhecimento de que todas as religiões são verdadeiras —, muçulmanos e católicos apresentam valores idênticos com cerca de um terço a subscreverem-no. Porém, quando se trata de afirmar que apenas a sua religião é verdadeira, as percentagens diferem — apenas 6,5% dos católicos o diz, em contraste com 17,7% de muçulmanos e com 24,1% das Testemunhas de Jeová, por exemplo. 

Um dos objectivos do estudo era compreender até que ponto os inquiridos equacionavam mudar de religião ao longo da vida. A conclusão foi que entre quem pertence a “outra confissão cristã” e entre budistas há maior predisposição para isso. As Testemunhas de Jeová, os muçulmanos e os evangélicos consideram mais provável manterem-se na sua religião. Fica em destaque nesse grupo as pessoas que deixaram de ser praticantes e que continuaram a acreditar (23,8%).

Eutanásia e descanso

Analisando o peso da religião na vida dos inquiridos verifica-se que mais de um terço acha que a religião influencia as suas atitudes face a questões relativas à orientação pessoal e à moral. Na atitude face à eutanásia, por exemplo, 5,2% dos respondentes aceitam-na em qualquer circunstância, 70,3% consideram-na aceitável dentro de certos limites e 18,6% julgam-na condenável em qualquer circunstância. 

E quando se trata de prática religiosa, como é que os crentes se comportam? Participar num acto religioso teve a mesma preponderância do que passar o fim-de-semana fora ou fazer desporto com 11,4% a dizerem que o fazem, bem menos do que o peso do descanso superior a 45%. 

O estudo teve como universo residentes da Área Metropolitana de Lisboa, com 15 ou mais anos e a amostra recolhida, de 1180 inquéritos válidos, é representativa da população. 

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