O regime de permanência na habitação e a política criminal do XXI Governo Constitucional

O regime de permanência na habitação com recurso à vigilância eletrónica permanecerá com todo o seu potencial de progresso.

Dando cumprimento ao compromisso assumido no programa do atual Governo, no capítulo sobre a política-criminal, e mais concretamente no subcapítulo relativo ao aperfeiçoamento do sistema de execução das penas e à valorização da reinserção social dos cidadãos a quem os tribunais aplicaram uma sanção penal, o Ministério da Justiça reuniu, em 2016, um grupo composto por académicos e especialistas de direito penal e direito de execução das penas que, sob a coordenação do Senhor Professor Doutor Jorge Figueiredo Dias, prepararam um anteprojeto de proposta de lei.

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Dando cumprimento ao compromisso assumido no programa do atual Governo, no capítulo sobre a política-criminal, e mais concretamente no subcapítulo relativo ao aperfeiçoamento do sistema de execução das penas e à valorização da reinserção social dos cidadãos a quem os tribunais aplicaram uma sanção penal, o Ministério da Justiça reuniu, em 2016, um grupo composto por académicos e especialistas de direito penal e direito de execução das penas que, sob a coordenação do Senhor Professor Doutor Jorge Figueiredo Dias, prepararam um anteprojeto de proposta de lei.

Este anteprojeto teve por escopo uma revisão pontual de alguns artigos da parte geral do Código Penal relativos às penas de substituição, a qual veio a ser acolhida e aprovada na Assembleia da República no passado ano de 2017, celebrando-se hoje um ano sobre a sua vigência.

A revisão empreendida pela Lei 94/2017, de 23 de agosto, incidiu fundamentalmente sobre o regime de permanência na habitação, extinguindo a prisão por dias livres e o regime de semidetenção, e pretendeu clarificar, estender e aprofundar a permanência na habitação, também apelidada de “prisão domiciliária”, que pode agora ser aplicada nos casos em que a prisão é concretamente fixada em medida não superior a dois anos, quer se trate de prisão aplicada na sentença, de prisão resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal, de prisão decorrente da revogação de pena não privativa de liberdade ou do não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º do mesmo diploma.

Ainda é cedo para percebermos e avaliarmos os impactos a médio e longo prazo desta aposta político-criminal credora da tradição penal portuguesa que – não obstante alguns programas político-criminais anglo-americanos do “sharp-short-schock” – tem reconhecido a nocividade das penas de prisão de curta duração.

Muitos países ocidentais, nestes tempos de sobrevalorização do recurso à reação penal e de sobrelotação carcerária, vão tomando opções político-criminais comprimidas entre as exigências da prevenção da reincidência e as necessidades de ressocialização dos delinquentes. Em Portugal temos conseguido manter-nos relativamente imunes a um certo punitive turn, sendo que a nossa sobrelotação carcerária tem razões fundadas em períodos longos de execução da pena efetiva de prisão (pelo cumprimento sucessivo de penas de prisão de curta duração) e por práticas cautelosas e judiciosas em sede de execução das penas que têm imposto algumas restrições à concessão da liberdade condicional. 

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Mais ressocialização

Decorrido um ano, os dados que já dispomos depois da entrada em vigor do diploma de 2017 apontam para um exponencial aumento das decisões judicias que aplicam pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, que de apenas 86 medidas aplicadas em 2017, passaram para as 701 medidas em 2018. Se tentarmos perceber, por outro lado, se houve aumentos de penas efetivas de prisão de curta duração, podemos verificar que estas não aumentaram (ver Gráfico 1 e Gráfico 2).

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A revisão tomou boa nota da caraterização feita pelos responsáveis dos serviços de reinserção social e prisionais portugueses que davam conta da irrelevância do regime de semidetenção, do ponto de vista estatístico, e da elevada taxa de incumprimento da prisão por dias livres que, transformando os estabelecimentos prisionais em domicílio temporário de fim-de-semana, impedia uma consistente intervenção técnica de ressocialização.

Numa procura de soluções alternativas capazes de assegurarem a efetividade das finalidades penais, o legislador de 2017 acabou por reforçar, no sistema sancionatório português, a utilização de um novo instrumento punitivo cujas potencialidades e virtualidades permite deslocar o espaço punitivo do tradicional ambiente prisional para um local diverso, como a residência do condenado, sob vigilância eletrónica.

O regime de permanência na habitação (RPH) com vigilância eletrónica (VE) – que vê o seu âmbito de aplicação alargado aos casos em que a prisão é concretamente fixada em medida não superior a dois anos – surge, assim, consagrado como um instrumento de intervenção alternativo ao encarceramento, sendo que o seu futuro sucesso se sustentará mais na capacidade dos serviços de reinserção social em mobilizar o condenado para frequência de programas, atividades e tratamentos reabilitativos do que na intensidade e severidade do controlo ou da supervisão penal tecnológica.

O contexto sociopolítico da pós-modernidade e da globalização influenciou a forma como se concebem as estratégias político-criminais, sendo que, no “campo penal”, a introdução de meios tecnológicos está hoje mais consolidada, levando alguns a referir-se-lhes como um novo território punitivo.

Contida entre as finalidades das penas enunciadas no artigo 40.º do nosso Código Penal – a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do condenado na sociedade – e escolhida pelos aplicadores do direito segundo o critério preferencial das reações não detentivas, o regime de permanência na habitação com recurso à vigilância eletrónica permanecerá com todo o seu potencial de progresso priorizando a ressocialização.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico