Azeredo e militares: desconfiança levada ao rubro

Os olhos estão postos na manutenção de Rovisco Duarte à frente do Exército e a mira da incredulidade visa o Ministério da Defesa.

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Rovisco Duarte e Azeredo Lopes Rui Gaudêncio

A 10 de Outubro, dois dias antes de pedir a demissão ao primeiro-ministro, Azeredo Lopes assinou um despacho no qual dava 48 horas ao general Rui Matias, para que, perante o abuso num aluguer, clarificasse a situação do património imobiliário do Instituto de Acção Social das Forças Armadas (IASFA) que dirige. Este terá sido um dos últimos embates de um relacionamento de desconfiança entre o ministro da Defesa Nacional e os militares.

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A 10 de Outubro, dois dias antes de pedir a demissão ao primeiro-ministro, Azeredo Lopes assinou um despacho no qual dava 48 horas ao general Rui Matias, para que, perante o abuso num aluguer, clarificasse a situação do património imobiliário do Instituto de Acção Social das Forças Armadas (IASFA) que dirige. Este terá sido um dos últimos embates de um relacionamento de desconfiança entre o ministro da Defesa Nacional e os militares.

Por ironia, coincidência ou sarcasmo, o despacho 49 de 2018 para apurar quem é quem nos alugueres do IASFA, expirou no mesmo dia em que o ministro abandonou funções sem se saber se a ordem ministerial foi cumprida. E com a sombra de corrupção no comportamento de alguns militares. Seria um match nulo, um empate entre a demissão do civil que esteve à frente do Ministério da Defesa e a nuvem de dúvidas que Tancos e os alugueres deixam sobre as Forças Armadas.

“Não há braço-de-ferro entre os militares e o Governo, há necessidade de uma reversão da política seguida em relação às Forças Armadas no sentido de as dignificar e de dar os recursos necessários ao cumprimento da sua missão”, comenta ao PÚBLICO o almirante Melo Gomes, antigo Chefe do Estado-Maior da Armada.

Apesar do desmentido de um embate perpétuo, este militar não deixa de evidenciar que esperava outro desempenho governamental. “A política seguida precisa de ser mudada, a reforma 2020 [do executivo de Passos Coelho] precisa de ser revertida, como se esperava que acontecesse quando este Governo e este ministro tomaram posse”, destaca o presidente da direcção do think tank Grupo de Reflexão Estratégica Independente.

Corrigir trajectória

Corrigir esta trajectória não se afigura possível no último Orçamento, que esta tarde é discutido pelo Governo em Conselho de Ministros, embora o primeiro-ministro tenha prometido que as contas da Defesa de 2019, fechadas no Ministério de Azeredo Lopes e Marcos Perestrello, sejam as maiores de toda a legislatura.

“Corria-se o risco de uma desautorização, não é chantagem, do Estado por militares. Tivemos de tomar providências para que tal não acontecesse, para que a subordinação do poder político legítimo e democrático não fosse posta em causa”, conclui Melo Gomes. O abismo descrito entre o ministro e a tropa não vem, pois e só, da escassez de meios.

“Não vai mudar nada”, antevê um oficial na reserva que solicita o anonimato. “Houve um grande desinvestimento nos últimos anos e, em vez de mimar o bebé, o ministro deu-lhe um encontrão”, prossegue. “Teve o azar de lhe rebentar nas mãos, podia ter sido outro”, destaca.

Encontrões ministeriais 

O “encontrão” tem episódios e datas. Em Abril de 2016, o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), Carlos Jerónimo, saiu por não concordar com a demissão da direcção do Colégio Militar na sequência da revelação de discriminação de alunos homossexuais.

“Para nós está em causa a interferência do ministro da Defesa na acção do CEME”, assinala o mesmo oficial. O embate, numa sociedade atenta e contrária à homofobia, colocou os militares sob os focos mediáticos. A substituição do general Jerónimo pelo general Rovisco Duarte não resolveu a questão. Como se veria.

Em Setembro de 2016, a morte de dois formandos no curso de Comandos abriu outra brecha. A investigação do Ministério Público é coadjuvada pela Polícia Judiciária Militar, o CEME Rovisco Duarte exonerou o comandante e 19 oficiais do Regimento de Comandos estão agora a ser julgados. “Devia haver apoio jurídico [institucional] a estes militares, houve um abandono dos homens”, analisa o militar. No país, a discussão foi a de saber se era legítimo morrer num treino que a praxis militar defende como duro para ser fiel à realidade.

Foi entre estas duas águas que navegou o ministro. No entanto, com o roubo do material de guerra em Tancos, a sua peculiar devolução e a sucessão de relatos contraditórios, militares, ministro e chefias passaram a alvo da opinião pública que, até então, só olhava as casernas como símbolo do passado. A mira da incredulidade assentou no Ministério da Defesa e o titular da pasta não aguentou o desgaste do lume brando. “O ministro não teve em atenção a especificidade das Forças Armadas”, conclui o oficial que requereu anonimato.

Depois da demissão de Azeredo Lopes, os seus camaradas de armas acham que a saída de Rovisco Duarte do Exército é inevitável. Por uma vez, há acordo com a sociedade. A opinião pública pela ligeireza com que descreveu e respondeu ao achamento da Chamusca. Já os militares não esquecem que substituiu Carlos Jerónimo e acusam-no de deixar cair os Comandos.