“Na Finlândia temos a tradição de falar com todos os partidos, incluindo a extrema-direita”

Juha Sipilä: O primeiro-ministro finlandês defendeu a coligação com a extrema-direita, argumentando que é a única forma de a “responsabilizar”. Garantiu ainda estar ao lado da UE nas sanções à Rússia, sem abdicar, no entanto, do diálogo com Moscovo.

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O primeiro-ministro da Finlândia, Juha Sipilä Miguel Manso

De visita a Lisboa para participar no Seminário Empresarial Portugal-Finlândia, o primeiro-ministro finlandês elogiou a “reviravolta realmente fantástica” da economia portuguesa nos últimos anos. À frente do Governo finlandês desde 2015, Juha Sipilä guiou o país para uma recuperação económica sensacional, mas foi muito criticado por se ter coligado com os Verdadeiros Finlandeses (extrema-direita). O político liberal acredita, porém, que essa escolha ajudou a derrotar a lógica populista na Finlândia. Sipilä reflectiu ainda sobre o comportamento “inaceitável” de Moscovo desde a anexação da Crimeia (2014), mas insistiu na necessidade de se continuar a falar com a Federação Russa.

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De visita a Lisboa para participar no Seminário Empresarial Portugal-Finlândia, o primeiro-ministro finlandês elogiou a “reviravolta realmente fantástica” da economia portuguesa nos últimos anos. À frente do Governo finlandês desde 2015, Juha Sipilä guiou o país para uma recuperação económica sensacional, mas foi muito criticado por se ter coligado com os Verdadeiros Finlandeses (extrema-direita). O político liberal acredita, porém, que essa escolha ajudou a derrotar a lógica populista na Finlândia. Sipilä reflectiu ainda sobre o comportamento “inaceitável” de Moscovo desde a anexação da Crimeia (2014), mas insistiu na necessidade de se continuar a falar com a Federação Russa.

A Finlândia superou a crise económica e é hoje um país próspero, mundialmente reconhecido pelo seu sistema de ensino e Estado social. Como explica esta transição bem sucedida?
Tal como Portugal nos anos da crise, fomos obrigados a tomar decisões muito difíceis para potenciar o nosso PIB. Fizemos reformas dolorosas no mercado de trabalho, na segurança social e na saúde, algumas delas ainda em discussão no Parlamento. Com isso conseguimos equilibrar a balança no sector público e colocar o rácio da dívida abaixo dos 60% do PIB. Também reduzimos a taxa de desemprego para os níveis mais baixos dos últimos 30 anos. Vamos ver que recompensa recebemos por isso, nas próximas eleições [Abril de 2019]. Na verdade não estou muito preocupado, a minha primeira missão foi cumprida: demos a volta à economia finlandesa e oferecemos-lhe uma base sólida.

Durante o período mais crítico, porém, o país testemunhou o crescimento da extrema-direita. Encontra semelhanças entre o caso finlandês e outros exemplos da região escandinava ou europeia?
No nosso caso o problema não é tão sério como em países como Itália, Suécia ou Alemanha. É verdade que assistimos ao crescimento de um partido de extrema-direita [os Verdadeiros Finlandeses] – que decidi trazer para a nossa coligação de Governo. Mas ao contrário de outros países, na Finlândia temos a tradição de responsabilizar todos os partidos pelas suas promessas, incluindo os populistas. Quando o fazemos, estamos a obrigar estes partidos a tomar decisões difíceis e explicar concretamente às pessoas aquilo que defendem.

Mas essa normalização da extrema-direita não é uma ameaça à democracia finlandesa e aos valores europeus? Na Suécia, por exemplo, os partidos tradicionais rejeitam ouvir e falar com esses partidos
Percebo o desconforto de alguns políticos em lidar com a extrema-direita, mas pessoalmente acho que é essencial dialogar e ouvir todos os partidos. No mínimo deve haver uma discussão, para percebermos quais as nossas diferenças e porque é que elas existem. Comigo os Verdadeiros Finlandeses deixaram, na prática, de ser um partido de extrema-direita. Conseguimos fechar um programa de Governo e acordar uma política europeia antes de avançarmos para a nossa coligação.

Acredita que essa postura menos radical dos Verdadeiros Finlandeses se vai manter na campanha para as próximas eleições?
Continuo a pensar que resolvemos esse problema na Finlândia há quatro anos, com a responsabilização da extrema-direita. Olhando agora para as sondagens, vemos que esse partido perdeu imensos apoios. Mas sim, é provável que eles regressem aos mesmos argumentos, particularmente no que toca à imigração. A crise migratória é hoje mais global do que era há quatro anos e as raízes do problema ainda lá estão.

Como se revolve a crise migratória?
Creio que a prioridade deve passar pela cooperação com os países africanos. Temos de ajudar a criar um futuro para a população jovem em África e não apenas através de financiamento, mas com uma cooperação verdadeira e ambiciosa. É essencial lidarmos directamente com as causas da crise. Ao nível da União Europeia já existe unidade para pôr em prática este plano. Por outro lado, é importante avançar para uma guarda costeira europeia, investir em políticas de retorno [dos refugiados] – negociadas e em concordância com os países de origem – e perceber que as alterações climáticas também fazem parte das causas da crise.

Esteve em Salzburgo reunido com os restantes chefes de Governo europeus. Como olha para as negociações que se avizinham com Theresa May, para o “Brexit”?
Até ao final do congresso do partido de May não houve desenvolvimentos nas negociações. A partir de agora, e tal como foi referido pela Comissão Europeia e por Michel Barnier [o chefe das negociador de Bruxelas], o processo encontra-se na sua 'fase de aterragem'. Se houver vontade para tal, acredito ser possível chegar a acordo numa semana. Estou bastante optimista que o vamos conseguir, ainda este mês ou em Novembro.

A proximidade territorial, histórica e cultural com a Rússia obrigou a Finlândia a assumir há muito um estatuto de neutralidade. Isso mudou com a anexação russa da Crimeia?
Esse episódio proporcionou uma enorme mudança, pelo que apoiamos inteiramente a posição assumida pela União Europeia e particularmente a sua política de sanções. Não podemos aceitar o que aconteceu na Crimeia e na Ucrânia. Ao mesmo tempo, porém, temos tido o cuidado de garantir que continua a haver diálogo constante entre a Finlândia e a Rússia. Ainda na semana passada encontrei-me com Dimitri Medvedev [primeiro-ministro russo] e estivemos a debater estas questões. Mesmo em situações de crise e desentendimento entre os Estados deve haver sempre uma ligação pessoal entre as partes, para que possamos discutir tudo o que temos para discutir. É certo que não houve qualquer desenvolvimento no Acordo de Minsk, mas isso não significa que não tenhamos de continuar a falar sobre ele.

Como descreve o comportamento russo nos últimos anos?
O comportamento russo não é de todo aceitável. E temo-lo dito de forma clara nas nossas discussões com Moscovo. Repito: o nosso posicionamento é o mesmo que o da UE e o do Ocidente e apoiamos totalmente as sanções económicas.

Mas a abordagem finlandesa em matéria de segurança regional alterou-se? Fala-se da preparação de um exercício militar em larga escala para 2020…
De uma forma generalizada, a nossa abordagem continua a ser a mesma. Não somos um país da NATO, mas somos parceiros, pelo que é normal fazermos exercícios militares em conjunto. Com a Suécia, sim, temos mantido e desenvolvido nos últimos três a cinco anos uma cooperação mais aprofundada em matéria de Defesa. Os exercícios militares têm vindo a ser mais recorrentes, mas também fazem parte destes dois eixos de colaboração. Ao mesmo tempo, estabelecemos como prioridade o desenvolvimento da cooperação europeia nestas matérias, por acreditarmos que a UE deve ser também uma união de segurança.

Na Finlândia já se debate com mais abertura a adesão à NATO?
As pessoas são contra [a adesão] e a maioria dos políticos e partidos também o são. Eu também. Ser um país não-alinhado é a melhor posição para a Finlândia. Temos Forças Armadas fortes, cooperamos com a Suécia e com a NATO, e é assim que queremos permanecer.

A Finlândia continua à espera que o Parlamento português aprove o novo acordo fiscal sobre os reformados finlandeses a viver no nosso país. Confrontou António Costa com este assunto?
Na verdade não foi necessário abordarmos o tema, porque a situação é bastante clara: o antigo acordo era dos anos de 1970 e necessitávamos de uma actualização. Chegámos a um novo acordo, o nosso Parlamento aprovou-o e estamos agora à espera do Parlamento português. Tenho a expectativa de seja confirmado mas também entendo que seja uma questão de política interna. Não estou preocupado.

Qual a avaliação que faz do desempenho económico recente de Portugal?
Portugal passou pelas mesmas dificuldades por que nós passámos no início dos anos de 1990, quando os nossos bancos faliram, pelo que existe uma enorme simpatia da nossa parte. Olhando para os indicadores económicos mais recentes constatamos com agrado que a economia portuguesa está na direcção certa e a crescer rapidamente. Foi uma reviravolta realmente fantástica e muito importante para a cooperação entre os nossos dois países.