Nesta mesa no Porto cozinha-se uma manifestação

A LOCAL vai montar uma mesa de dez metros na Travessa de Cedofeita. A "manifestação em forma de refeição" vai decorrer em frente ao "laboratório de experimentação centrado em questões de cultura alimentar, sustentabilidade e saúde" que a associação ali vai inaugurar.

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Uma mesa gigante atravessada na Travessa de Cedofeita, no Porto. Dez metros, de uma ponta à outra. Sem lugares marcados, mas com muitos lugares destinados a todos e todas que queiram participar num almoço comunitário no sábado, 22 de Setembro. Vai haver alguma comida, claro, mas a proposta da associação LOCAL é que cada convidado traga num prato — para partilhar — a resposta a uma pergunta: “O que é, para ti, comida de verdade?”

Hugo Dunkel ri-se quando lhe devolvemos a pergunta. “O que nós tentamos explicar às pessoas é que não é fácil explicar o que é a comida de verdade”, começa por dizer um dos fundadores do colectivo que se formou em 2014. Para continuar a trazer a conversa para a mesa, o projecto que “trabalha na transição para uma cultura alimentar local, saudável e sustentável” vai "deixar de andar com a casa às costas”, abrindo por fim um espaço próprio na porta 28 da Travessa de Cedofeita (a convite da Coração Alecrim, a loja que já lá habita). O almoço colectivo, “uma manifestação em forma de refeição”, é a festa de abertura.

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Uma mesa gigante atravessada na Travessa de Cedofeita, no Porto. Dez metros, de uma ponta à outra. Sem lugares marcados, mas com muitos lugares destinados a todos e todas que queiram participar num almoço comunitário no sábado, 22 de Setembro. Vai haver alguma comida, claro, mas a proposta da associação LOCAL é que cada convidado traga num prato — para partilhar — a resposta a uma pergunta: “O que é, para ti, comida de verdade?”

Hugo Dunkel ri-se quando lhe devolvemos a pergunta. “O que nós tentamos explicar às pessoas é que não é fácil explicar o que é a comida de verdade”, começa por dizer um dos fundadores do colectivo que se formou em 2014. Para continuar a trazer a conversa para a mesa, o projecto que “trabalha na transição para uma cultura alimentar local, saudável e sustentável” vai "deixar de andar com a casa às costas”, abrindo por fim um espaço próprio na porta 28 da Travessa de Cedofeita (a convite da Coração Alecrim, a loja que já lá habita). O almoço colectivo, “uma manifestação em forma de refeição”, é a festa de abertura.

A partir desse dia, o Local Food Lab vai passar a servir jantares — mas não se identifica como um restaurante. Isto porque, apesar de girar à volta da comida, a discussão vai para lá do “acto de comer”, explica o jovem.

Nas “experiências alimentares” que vão organizar uma vez por semana querem tentar “restaurar a relação" que as pessoas têm com "o acto de comer”, em grupo, à volta de uma mesa grande. De forma a honrar a experiência de descoberta em conjunto, chamaram-lhe laboratório (lab). 

Além dos jantares em torno de um tema — já está pensado o primeiro, para celebrar o pão de massa azeda (com fermentos naturais), e um outro para aproveitar todos os órgãos dos animais — vão continuar a organizar oficinas, formações, exposições. A partir de Dezembro, deverão servir almoços diários. 

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O pátio onde vão ser servidas as refeições e a cozinha de janelas de vidro, para deixar tudo à mostra

A programação funciona sempre em ciclos trimestrais, de acordo com as estações do ano, e ainda não está completamente fechada. Nos planos estão workshops de vermicompostagem (método de compostagem que se baseia no trabalho das minhocas); de técnicas de fermentação como o chucrute, vinho, queijo, kefir, kombucha (bebida probiótica); de cerâmica e sustentabilidade; até de tintura de têxteis a partir de alimentos bem conhecidos e de permacultura urbana, para quem quiser descobrir como se pode viver de forma mais sustentável em contexto urbano.

O principal objectivo é “promover a literacia alimentar” — também um dos principais objectivos da estratégia nacional para a promoção da alimentação saudável, da Direcção Geral da Saúde. Para isso, estão a montar uma biblioteca que pode ser consultada no local, gratuitamente. No futuro, o objectivo é inventariar os livros sobre nutrição, sustentabilidade, política alimentar, culinária ou agricultura e permitir que sócios da associação os possam levar para casa.

Eles manifestam-se à volta da mesa

Hugo Dunkel, 32 anos, designer de produto de formação, encontrou na área da alimentação aquilo que achava que seria o design a dar-lhe. “Metodologias que melhoram a qualidade de vida das pessoas”, de forma eficiente e sustentável. “Agora, em vez de estar a trabalhar com cadeiras e mesas, estou a trabalhar com sistemas de agricultura, sistemas alimentares ou de pensamento”, resume, com um encolher de ombros. 

Ainda durante o curso na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, faltou um mês e meio às aulas (“ninguém deu por isso”, brinca) e foi para a Escócia aprender sobre permacultura. Depois, para conhecer mais projectos de agricultura biológica, inscreveu-se na plataforma WWOOF, uma espécie de couchsurfing que põe em contacto quintas ecológicas e potenciais voluntários. Seguiram-se um curso de Nutrição Ortomolecular — terapia que proporciona a cada pessoa, doente ou não, a concentração óptima dos nutrientes indispensáveis ao bom funcionamento orgânico — no Instituto Português de Naturologia e outro de agricultura biodinâmica em Inglaterra. 

Esta semana, começou um mestrado em Alimentação na Universidade de Coimbra. Quer “arranjar mais ferramentas de sustentação” para o trabalho que desenvolve na associação formada por duas mãos cheias de pessoas com percursos semelhantes ao seu: uma produtora de leite cru, nos Açores, que estudou comunicação; uma designer de comunicação alemã que “vive uma vida auto-sustentável no meio do campo”; um artista que está a recuperar uma estalagem para lá “fazer um trabalho misto entre práticas artísticas e práticas da terra”.

Juntos, escreveram um manifesto de 13 pontos em que apresentam a alimentação como “elemento modulador do mundo, da sociedade e da saúde”. "E estamos de volta à comida de verdade", um conceito que não inventaram, mas que lutam por promover. 

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A base para o menu de almoço que vai começar a ser servido diariamente, em Dezembro

Em resumo, rejeitam a "pasteurização, irradiação, modificação genética, gorduras hidrogenadas, aditivos alimentares, intensificadores de sabor, corantes e adoçantes refinados"; a agricultura intensiva e as monoculturas. Defendem (e comem) "alimentos tradicionais"; a carne e o peixe, desde que os animais cresçam livres e se alimentem de pasto ("omnivorismo ético").

"Se nos preocupamos com o estado do mundo devemos estar conscientes daquilo que colocamos no nosso prato", dizem. Recomendam uma "cura" em torno da mesa: "Hortas terapêuticas, restaurantes saudáveis, cooperativas e grupos de consumo, mercados de produtores e momentos de celebração e comensalidade permitem-nos desfrutar do lado curativo da alimentação." Dedicam "tempo ao acto de comer". É isso que está no menu.