O fantasma do passado em Espanha

Quarenta e três anos depois da morte de Franco e 40 de Constituição, já era tempo de a Espanha acabar com essa aberração de um monumento de homenagem a um ditador.

A Espanha ainda não fez um acerto de contas com o seu passado fascista. Nem foi possível fazê-lo durante a fase de transição para a democracia e também não foi possível fazê-lo depois disso. Luís Rodríguez Zapatero deu um passo nesse sentido com a Lei da Memória Histórica, com a qual modificou o nome de centenas de ruas e praças do país que ainda celebravam os epígonos do ditador ­— uma alteração mais retórica do que prática — e com a ajuda às associações que se dedicavam à procura dos desaparecidos da guerra civil.

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A Espanha ainda não fez um acerto de contas com o seu passado fascista. Nem foi possível fazê-lo durante a fase de transição para a democracia e também não foi possível fazê-lo depois disso. Luís Rodríguez Zapatero deu um passo nesse sentido com a Lei da Memória Histórica, com a qual modificou o nome de centenas de ruas e praças do país que ainda celebravam os epígonos do ditador ­— uma alteração mais retórica do que prática — e com a ajuda às associações que se dedicavam à procura dos desaparecidos da guerra civil.

A conjuntura hoje é outra. O Governo socialista de Pedro Sánchez está determinado em exumar os restos mortais de Francisco Franco, retirando-os do altar fascista do Vale dos Caídos (uma tétrica declaração de vitória da Falange na guerra civil espanhola), e em anular os julgamentos de guerra sumários que sentenciaram à morte republicanos como Lluís Companys, o presidente do governo catalão detido em França pela Gestapo e executado em Espanha.

A conjuntura hoje é outra, porque o momento político espanhol assim o determina: os partidos catalães ERC e PDeCAT representados nas Cortes aproveitaram a exumação para exigir a ilegalidade dos julgamentos sumários, algo que anteriores executivos socialistas tinham rejeitado, e porque a liderança do Partido Popular não se opõe a nenhuma das duas intenções. Acontece que o actual PP é dirigido por um neto de um republicano morto na guerra civil e acresce que quer o Podemos, quer o Cidadãos não têm objecções inultrapassáveis à nova Lei da Memória que hoje é aprovada pelo Conselho de Ministros.

É verdade que Zapatero, o último primeiro-ministro socialista, conseguiu que a ilegalidade daqueles tribunais fosse sentenciada, mas não foi mais longe, anulando as sentenças, com receio de “inseguridade jurídica”. Juridicamente poderão surgir sempre muitas dúvidas e diferentes interpretações legais, mas esta decisão, caso venha a ser aprovada, é sobretudo simbólica. E simbolicamente importante num contexto de condenação franquista, de reabilitação de figuras republicanas, algumas das quais catalãs e numa aliança com partidos sediados naquela região. Quarenta e três anos após a morte de Franco e 40 anos de Constituição, já era tempo de a Espanha acabar com essa aberração de um monumento de homenagem a um ditador e de não se intimidar quando olha para os erros do passado e os quer corrigir.