Plano de incontingência (ou a certeza de que algo vai acontecer)

O ministério e a Direção-Geral da Saúde atuaram como se de um calorzinho usual de verão se tratasse.

Nos dias mais quentes deste verão, logo no arranque de agosto, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) deu mais uma prova da sua fragilidade. Analisando o impacto do calor e da mortalidade, entre 5 e 7 de agosto, "houve uma variação diária, no conjunto, de mais de 500 óbitos registados", como confirmou a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas. E se não são conhecidas as exatas causas e conjuntura destas mortes, não será difícil deduzir que a grande maioria decorrerá de circunstâncias relacionadas com o calor extremo sentido num país que viu muitas das suas localidades registarem temperaturas a rondar os 45 graus.

E como atuou o Ministério da Saúde e a Direção-Geral da Saúde (DGS)? Como de costume. Por estranho que pareça a expressão é mesmo essa: como se de um calorzinho usual de verão se tratasse. O Estado deve ser proativo na proteção dos seus cidadãos. Mas a DGS, cujas principais atribuições e missões passam por, e transcrevo, “regulamentar, orientar e coordenar as atividades de promoção da saúde e prevenção da doença, definir as condições técnicas para adequada prestação de cuidados de saúde, planear e programar a política nacional para a qualidade no sistema de saúde”, foi quase e apenas... reativa.

Pois está certo que houve campanhas a promover a ‘mega-bebida’ que é a água, as usuais recomendações para evitar as praias naqueles horários que (quase) todos conhecemos, as sugestões para as roupas leves e claras, enfim, o clássico. Sem originalidade, manteve-se o tom do costume, a dizer o mesmo de sempre. A repetição é importante para passar a mensagem, é verdade, mas mais importante ainda seria – isso sim, uma verdadeira originalidade! – a antecipação dos problemas. Para se arranjarem, de facto, soluções.

Por esses dias, foram muitas as unidades de saúde do país que receberam os seus doentes – crianças, idosos e doentes crónicos, muitos deles com muitas debilidades respiratórias – em ambientes de total estado de ebulição, com temperaturas (interiores) acima dos 35 graus centígrados. Um verdadeiro verão a ferver dentro dos próprios hospitais e centros de saúde para doentes, médicos e todos os profissionais de saúde.

Que tal, por antecipação, começar a pensar-se, com tempo, em acautelar o estado das ditas "condições técnicas para adequada prestação de cuidados de saúde”? Que me dizem ao “planeamento de uma política nacional para a qualidade no sistema de saúde” que verdadeiramente garanta que os hospitais e centros de saúde do país têm as condições mínimas de atendimento aos seus doentes, em questões (aparentemente) tão elementares como a adequação das temperaturas das suas infraestruturas?

Que tal, numa próxima oportunidade, um verdadeiro plano de incontingência? Ou a certeza de que o verão – e o calor e as temperaturas extremas – vão voltar a acontecer. Podem é, pelo menos, ficar ao ar livre.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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