Hélder Valente, o “original gangster” da permacultura

De Lagos à Amazónia, do México aos Açores. Há 20 anos que Hélder Valente viaja pelo mundo para difundir uma filosofia que só agora tem ganho popularidade: a permacultura.

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Adriano Miranda

Na conferência em que esteve presente, no Anarcha Portugal, foi apelidado de “original gangster” da permacultura. E não é para menos. Há 20 anos que Hélder Valente se apaixonou pela permacultura, um conceito que só agora está a chegar ao grande público (em Portugal e no mundo). Hoje, com 38 anos, já percorreu mais de 40 países para dar a conhecer o sistema de princípios agrícolas que se pode tornar num estilo de vida e esteve no Porto, a 19 e 20 de Julho, para partilhar o que tem aprendido.

Mas o que é a permacultura? Definições há muitas. Uns vêem-na como uma prática que está “um passo à frente da agricultura biológica”, outros já a associam a um movimento cultural e filosófico. Para Hélder, professor de permacultura há uma década, a forma mais simples de a explicar é através da imagem de “paraíso”. “A permacultura é criar o paraíso outra vez. Não apenas os jardins do paraíso, cheios de frutos deliciosos, mas também a parte social do paraíso – o vivermos em harmonia uns com os outros, não em competição, mas em colaboração. É aí que está a verdadeira sustentabilidade. Hoje, a permacultura foca-se em regenerar os ecossistemas, as florestas, mas também em explorar como é que as pessoas podem trabalhar em conjunto de uma forma mais eficiente.”

Hélder nasceu em Cinfães, uma vila de Viseu banhada pelo rio Douro, no seio de uma família que vivia da agricultura há várias gerações. Ainda era novo quando migrou com os pais para Lisboa e desde cedo se debateu para entender se pertencia ao campo ou à cidade. Ainda tinha presentes “todas as recordações das dificuldades de viver no campo” e isso afastou-o momentaneamente da agricultura. Queria ser artista. E assim foi. Trabalhou como tatuador durante cerca de 10 anos, mas acabou por saturar-se: “Como artista, sentia todas as frustrações de estar fechado num lugar a desenhar e a ter de receber pessoas. A permacultura surgiu como uma resposta muito natural. No fundo, queria ser mais auto-suficiente, viver menos dependente de recursos externos.”

Então, começou a estudar. Tirou vários cursos relacionados com o tema, um deles com Bill Mollison, um dos criadores do conceito da permacultura, e fundou a Nova Escola de Permacultura, uma escola nómada que “foge aos velhos paradigmas do ensino” promovendo uma “educação alternativa, criativa e empoderadora”. O objectivo, diz, “é que os estudantes falem mais e partilhem o conhecimento que têm em vez de estarem a olhar para o mestre, professor ou guru, detentor de toda a sapiência”.

A criação de uma rede de permacultura sul-americana mais dinâmica, que possa responder de maneira eficiente à desflorestação e à degradação das culturas tribais na floresta da Amazónia, é um dos mais recentes projectos da escola, que trabalha em colaboração com várias organizações não-governamentais.

Desde 2012 que o projecto está de pé e Hélder tem viajado até lá quase todos os anos. A desflorestação é um problema eminente, comenta: “Nós pensamos que a Amazónia são florestas enormes, mas, na realidade, quando chegamos à selva percebemos que já é muito difícil encontrar árvores grandes. Foram todas cortadas. É preciso viajar milhares de quilómetros para encontrar uma árvore velha, um reflexo do que foi a selva um dia. A reflorestação que nós desenhámos tenta reproduzir os ecossistemas originais. Mas leva o seu tempo. Uma árvore que tem 200 ou 300 anos é muito difícil de substituir. O que fazemos é recuperar sementes de árvores em risco de extinção e tentar fazer reflorestação com estas espécies.”

Para isso, e para que de algum modo se proteja os grupos indígenas que lá vivem, a escola tem desenvolvido um grande trabalho de proximidade: “Temos um foco especial num grupo étnico, os Matsés, que vivem entre a Amazónia peruana e a brasileira — ou seja, bem dentro da floresta. Eles estão a gerir 500 mil hectares de floresta e nós estamos a ensinar-lhes como processar os produtos que colhem para depois introduzi-los no mercado internacional de produtos orgânicos e superalimentos da floresta, colhidos de forma sustentável e de baixo impacto por comunidades indígenas.”

Mas, na visão de Hélder, há um problema maior e comum que se levanta nos grupos indígenas da Amazónia: a perda de identidade. “Eles acham que são pessoas de segunda ou de terceira e muitos deles procuram ter um estilo de vida globalizado, igual a todos os ocidentais. Já não têm atracção pela sua cultura, acham que é uma coisa atrasada”, revela. “Já não usam as vestes tradicionais, não falam a língua, têm vergonha dos seus hábitos.”

O que é uma pena, já que é na simplicidade da relação entre os indígenas e a natureza, independentemente dos locais onde as comunidades vivam, que Hélder encontra muitas das respostas para os problemas da sociedade ocidental: “Se tu fores ao Canadá, vais encontrar povos com paradigmas sociais muito semelhantes a indígenas da Amazónia ou dos Andes. E o que está por trás dessa identidade tem muito a ver com a conexão com a natureza e a forma como lidam com o espaço natural à volta deles.”

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No último ano, o português andou pela América Latina, sob a alçada da Rede Internacional de Sociocracia e Parlamentos de Vizinhança e com o apoio da ONU, para desenvolver os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. DR

Da permacultura à sociocracia, um desafio civilizacional

Hélder, que sempre se viu como “um revolucionário profissional”, está sempre atento ao aparecimento de ideias que explorem um novo sistema de vida. A sociocracia é uma das suas mais recentes paixões e é nesse conceito, adianta, que está o grande desafio da nossa civilização: “tomar decisões em conjunto e resolver os problemas de uma forma em que toda a gente sente que participa”. No último ano, andou pela América Latina, sob a alçada da Rede Internacional de Sociocracia e Parlamentos de Vizinhança e com o apoio da Organização das Nações Unidas, para desenvolver os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável: “Estamos a fomentar uma organização de bairro, em que as pessoas se encontram dentro da sua vizinhança para tomar decisões relativas a como melhorar a zona onde vivem. E também estamos a fazê-lo em escolas.”

Na Índia, conta o professor, já têm “mais de 140 milhões de pessoas a usar este modelo de governação”. Agora, estão a levar a ideia ao Peru (com uma pareceria com o Ministério da Educação), à Costa Rica, ao Panamá e ao México.

Em Portugal, Hélder já esteve envolvido em vários projectos, como a criação da Quinta do Vale da Lama, em Lagos, que promove a permacultura e agricultura regenerativa. O professor realça que “somos um dos países onde a permacultura está presente na Europa”, mas acrescenta que “o grande desafio continua a ser encontrar formas de trabalharmos em rede e de nos organizarmos colectivamente”: “Os portugueses são pessoas bastante emocionais e o trabalhar em equipa de forma pragmática não é tão fácil para nós [risos].”

Ainda assim, os passos seguintes do professor fazem-se em território nacional: em Outubro, a Nova Escola de Permacultura vai estar em São Miguel, Açores, com três cursos disponíveis (design em permacultura, sociocracia e bosques comestíveis). Uma breve paragem, porque ainda há muito mundo para descobrir.

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