Ministério Público investiga suspeitas de irregularidades na reconstrução de casas em Pedrógão

Meio milhão de euros de fundos destinados à reconstrução de casas de primeira habitação terão sido desviados para habitações não prioritárias, isto é, casas de segunda habitação.

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Centenas de pessoas ficaram desalojadas nos incêndios Adriano Miranda

O Ministério Público (MP) já abriu um inquérito para investigar as alegadas irregularidades na utilização de fundos destinados à reconstrução de casas de primeira habitação, que arderam no grande incêndio de Pedrógão, em Junho do ano passado, apurou o PÚBLICO junto de fonte da Procuradoria-Geral Distrital de Coimbra. A decisão foi tomada na sequência da publicação esta quinta-feira de um artigo da revista Visão que revela que fundos no valor de meio milhão de euros destinados à reconstrução de casas de primeira habitação poderão ter sido desviados para casas que não eram prioritárias, ou seja, de segunda habitação.

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O Ministério Público (MP) já abriu um inquérito para investigar as alegadas irregularidades na utilização de fundos destinados à reconstrução de casas de primeira habitação, que arderam no grande incêndio de Pedrógão, em Junho do ano passado, apurou o PÚBLICO junto de fonte da Procuradoria-Geral Distrital de Coimbra. A decisão foi tomada na sequência da publicação esta quinta-feira de um artigo da revista Visão que revela que fundos no valor de meio milhão de euros destinados à reconstrução de casas de primeira habitação poderão ter sido desviados para casas que não eram prioritárias, ou seja, de segunda habitação.

Entretanto, a Procuradoria-Geral da República confirmou, em resposta escrita enviada ao PÚBLICO, "a existência de inquérito dirigido pelo Ministério Público, a correr termos no Departamento de Investigação e Acção Penal de Leiria".

A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) já tinha anunciado que ia encaminhar para o Ministério Público as denúncias de fraude na reconstrução de casas na zona de Pedrógão Grande, mas o Ministério Público decidiu não esperar pela participação.

De qualquer forma, vão ser encaminhados para o MP os casos denunciados pela revista, explicou ao PÚBLICO a presidente da CCDRC Ana Abrunhosa, não descartando a hipótese de disponibilizar mais informação. “Se alguém nos der evidências de que poderá haver outras habitações” nessas condições, essa informação será dada às autoridades, referiu a responsável. “Se o MP investigar todos os processos, estamos tranquilos”, acrescentou.

Ana Abrunhosa explica que um processo para reconstrução de habitação que desse entrada na CCDRC vinha com um documento das finanças que “atestava que a família tinha domicílio fiscal” naquele imóvel. “A autarquia também validava a situação”, elabora. “O limite das câmaras é o mesmo que o nosso: têm que confiar nos documentos que as famílias levam”, prossegue, para explicar que o trabalho da CCDRC passava por confirmar que os documentos preenchiam os requisitos legais e não por os fiscalizar. A entidade a que preside, sublinha, não tem “condições nem competências” para fazer essa fiscalização.

A revista Visão avança que pode ter havido a alteração do domicílio fiscal entre a data dos incêndios e a data da submissão da candidatura a apoios. Contudo, a presidente da Comissão de Coordenação garante que não houve facilitismos na atribuição de apoios. “Fomos quase sacrificados porque estávamos a pedir documentos e chamaram a isso burocracia”, recorda.

Ana Abrunhosa admite a hipótese de que tenham sido intervencionados imóveis que nem tenham sido danificados pelos incêndios de Junho de 2017. No entanto, ressalva que esses trabalhos não estão relacionados com os apoios prestados pela CCDRC, mas sim com a actividade de entidades privadas – como as misericórdias, a SIC Esperança ou a Fundação Calouste Gulbenkian, exemplifica - que foram para o terreno ajudar na reconstrução.

Os incêndios de Pedrógão Grande, que afectaram vários concelhos dos distritos de Leiria, Coimbra e Castelo Branco, deflagraram a 17 de Junho, causando 66 vítimas mortais e sete feridos graves. O fogo causou ainda a destruição de 261 casas de primeira habitação.

A Visão exemplifica com vários casos de pessoas que mudaram a morada fiscal após o incêndio, de forma a conseguirem o apoio do Fundo Revita ou de outras instituições que entretanto também se mostraram solidárias com aquelas populações, como a Cáritas, a SIC Esperança, a Cruz Vermelha, La Caixa, Fundação Calouste Gulbenkian ou Misericórdias.

De acordo com os últimos dados do Fundo Revita, estão já concluídos os trabalhos de reconstrução de 160 das 261 casas de primeira habitação afectadas pelos incêndios de Junho de 2017, pelo que se encontram ainda em obras 101 habitações.

Criado pelo Governo para apoiar as populações e a revitalização das áreas afectadas pelos incêndios ocorridos em Junho de 2017, o fundo recebeu já o contributo de "61 entidades, com donativos em dinheiro, em bens e em prestação de serviços", destacando-se nos últimos três meses a adesão do município de Castanheira de Pera, com um apoio de 12.978,63 euros.

Assim, "os donativos em dinheiro ascendem a 4.409.878,69 euros", ao qual se junta uma verba de 2.500.000 euros disponibilizada pelo Ministério da Solidariedade e Segurança Social, apurou o relatório do Fundo Revita.

Presidente do Revita não teve queixas     

O Fundo Revita não recebeu qualquer queixa de incumprimento das regras no apoio à reconstrução de casas destruídas nos incêndios de 2017, garantiu nesta quinta-feira o presidente do conselho de gestão, sublinhando já ter pedido uma avaliação dos casos denunciados.

"Não recebi nenhuma queixa que identificasse uma situação concreta [de incumprimento]", afirmou à agência Lusa o presidente do conselho de gestão do Fundo Revita (Fundo de Apoio às Populações e à Revitalização das Áreas Afectadas pelos incêndios ocorridos em Junho de 2017) que é também presidente do Instituto da Segurança Social.

"Já assinei o ofício solicitando de imediato uma avaliação caso a caso para perceber se as declarações foram as correctas ou não foram", disse Rui Fiolhais.

O trabalho desenvolvido pelas equipas que avaliam os pedidos de ajuda "foi, de facto, muito exigente, muito intenso porque obrigou a uma visita ao terreno em diversos concelhos. Estou convencido que agiram da melhor forma e com toda a boa-fé", defendeu o responsável.

Como presidente do conselho de gestão do Fundo Revita "não tinha conhecimento de alguma situação concreta que tenha existido, ou seja, até hoje nunca foi relatado ao conselho de gestão qualquer situação concreta em que houvesse sombra de dúvida", esclareceu Rui Fiolhais.

A fiscalização e a aplicação das regras para atribuição de financiamento à reconstrução das casas através dos donativos recebidos são feitas pela comissão técnica, que verifica se a morada é correcta, se a casa tem vindo a ser habitada, nomeadamente através da análise da conta de electricidade de Maio de 2017, e quando necessário visita os imóveis.

A avaliação "foi feita na altura e, em caso de dúvida, seria feita "uma avaliação posterior para perceber se a avaliação da elegibilidade foi efectivamente bem conduzida", referiu o presidente do Instituto da Segurança Social.

CDS pede investigação

A líder do CDS-PP defendeu nesta quinta-feira que deve ser "escrupulosamente escrutinado" e investigado o alegado desvio de 500 mil euros de donativos para obras que não eram urgentes na recuperação de casas atingidas pelos incêndios em Pedrógão Grande.

"Qualquer euro que tenha sido desviado para uma função que não tenha sido aquela a que estava destinado, no caso para a reconstrução das habitações que ficaram afectadas pelos fogos, tem de ser escrupulosamente escrutinado e, obviamente, investigado", afirmou Assunção Cristas, à margem do lançamento do cartaz de Nuno Melo às eleições europeias de 2019, em Matosinhos, distrito do Porto. com Lusa