Algarve não tem gente que chegue para trabalhar no Verão

Uma campanha tenta aliciar os estudantes que assim podem juntar o útil ao agradável – trabalho e lazer em tempo de férias - sem perder o direito às bolsas ou abonos familiares.

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Enric Vives-Rubio

A falta de mão-de-obra (barata, de preferência) no Algarve faz-se sentir em todos os sectores de actividade. Os anúncios de oferta de emprego multiplicam-se e a resposta dos candidatos é inferior à procura. Na tentativa de atrair jovens estudantes ao mercado de trabalho sazonal, o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) lançou uma campanha de divulgação da oferta do “trabalho nas férias” junto das escolas, associações desportivas e juvenis. O objectivo é dar a conhecer as propostas de emprego que existem e a legislação para evitar os “pagamentos por baixo da mesa”, com fugas aos impostos.

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A falta de mão-de-obra (barata, de preferência) no Algarve faz-se sentir em todos os sectores de actividade. Os anúncios de oferta de emprego multiplicam-se e a resposta dos candidatos é inferior à procura. Na tentativa de atrair jovens estudantes ao mercado de trabalho sazonal, o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) lançou uma campanha de divulgação da oferta do “trabalho nas férias” junto das escolas, associações desportivas e juvenis. O objectivo é dar a conhecer as propostas de emprego que existem e a legislação para evitar os “pagamentos por baixo da mesa”, com fugas aos impostos.

Com uma população activa de 220 mil pessoas, o Algarve regista nos ficheiros do IEFP cerca de 9 mil desempregados - uma taxa inferior a 8%, a mais baixa desde 2008, segundo dados revelados pelo INE referentes ao primeiro trimestre. “Mantêm-se os contratos precários e os salários baixos, promovendo ofertas de emprego que não têm correspondência com a realidade”. A leitura, feita pelo coordenador do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares, Tiago Jacinto não encontra eco junto dos empregadores. “Actualizámos os salários de acordo com as condições específicas das empresas”, diz o presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), Elidérico Viegas, não existindo ainda acordo com a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores e Serviços (UGT) para negociar uma nova contratação colectiva: “As coisas estão bem encaminhadas”, adiantou. A última revisão foi em 2006. Tiago Jacinto, que representa um sindicato afecto à CGTP, diz que está “quase fechado um acordo” com Associação dos Industriais de Hotelaria e Similares (AHISA) para um aumento médio de 3% na massa salarial.

A falta de fiscalização e de informação, segundo o sindicalista, está na origem dos muitos abusos da mão-de-obra barata. “Usa e abusa-se dos estágios, criam-se expectativas de carreiras que acabam em frustrações”, denuncia. O aproximar da época balnear está a deixar os empregadores em dificuldade para garantir qualidade e quantidade a uma procura crescente do sector turístico. As empresas, admite Elidérico Viegas, “usam a mão-de-obra-de recurso, que não tem a formação desejada, e a produtividade baixa”. A dificuldade em atrair pessoas, do Alentejo e de outras regiões com maiores índices de desemprego, esbarra no preço da habitação. “As câmaras [agora em fase de revisão dos Planos Directores Municipais] deveriam ter em consideração esta questão, estruturante para o futuro da região”, sugere. Uma funcionária pública, ao pretender deslocar-se do norte para Faro, aproveitando as facilidades do regime da mobilidade, desistiu quando lhe pediram 750 euros de renda por um apartamento T2. O turismo, tal como está a suceder um pouco por todas as zonas turísticas, fez disparar os preços.

Trabalho a 2,50 euros por hora

O trabalho sazonal, de que se alimenta uma parte significativa da hotelaria, acaba por ser uma oportunidade para muitos estudantes: “Com o meu primeiro emprego, bagageiro, no hotel Ampalius, em Vilamoura, arranjei dinheiro para tirar a carta de condução automóvel e paguei as propinas”, diz Gonçalo Guerreiro, a terminar o curso de gestão na Universidade do Algarve. Este Verão, é um dos nadadores/salvadores da praia do Ancão, na Quinta do Lago. “Sempre fiz descontos, não fui dos que recebem por baixo da mesa”, acrescenta. Porém, o trabalho no paralelo é quase tão antigo quanto a actividade turística. Ao contrário do que sucedia nos anos anteriores, os trabalhadores estudantes não se sujeitam à perda dos abonos familiares ou bolsas de estudo por esse facto. Mas a empresa tem de fazer um desconto de 26 por cento para a Segurança Social sobre uma base remuneratória convencional. A legislação incorporada no Orçamento de Estado de 2018 alterou o código contributivo da Segurança Social para acomodar o trabalho de jovens no período de férias escolares. Miguel Ribeiro, de 22 anos, finalista do curso de Gestão da Universidade do Algarve, foi uma das vítimas do regime anterior: “Perdi a bolsa do pagamento das propinas em 2016/17, com a declaração dos rendimentos de nadador/salvador que recebi no ano anterior”. Está de serviço na ilha da Armona, uma praia segura desde que não haja ventos de sueste.

 Vítor Santos “Bonixe”, colaborador da empresa “Mar Seguro” (contratação de nadadores/salvadores), diz: “Estamos a receber jovens do norte, aqui não há gente que chegue”. O ordenado andava na ordem dos 750 euros, subiu para os 1050,mais subsídio de almoço”. Nalguns casos, acrescenta, os concessionários oferecem alojamento. Daniel Martins, outro jovem universitário algarvio, trocou o trabalho de empregado de mesa na praia da ilha da Armona (ria Formosa) pelo de nadador/salvador na praia do Ancão. O trabalho na hotelaria e similares, diz, é “duro, mal pago e sem horários”. Por dia chegava a fazer dez a doze horas (3,60 euros/hora). Em comparação com os preços praticados noutros sítios, observa, já era considerado acima da média. Noutros estabelecimentos, acrescenta, “tinha colegas que recebiam 2,50 euros/hora”.

Tiago Jacinto pergunta: “Com salários destes, querem profissionais qualificados?”. Por outro lado, denuncia outro aspecto social: “ As empresas procuram fazer pressão sobre os trabalhadores mais velhos, empurrando-os para o despedimento forçado - fizemos várias queixas mas a Autoridade das Condições de Trabalho (ACT) não actua”.

Elidérico Viegas entende que os “sindicatos estão no seu direito de fazer denúncias, mas a realidade é que existe falta de trabalhadores em todas as áreas na região, desde as empregadas de limpeza a técnicos de manutenção”. No Verão do ano passado, a taxa de desemprego na região foi de 5,2%, este ano a previsão é que fique abaixo dos 5%.

Gonçalo Guerreiro ganhava 445 euros/mês há quatro anos a carregar malas no hotel Ampalius. “Mas dobrava o ordenado com as gorjetas”, revela. A experiência, diz, foi gratificante em todos os sentidos. “Treinei o meu inglês, juntei dinheiro, e conheci gente interessante”. Os clientes, recorda, “por vezes punham-se a contar histórias e eu gostava de ouvir”. Assim, combinava trabalho com divertimento, e não faltam motivos de animação dia e noite, em toda a região: “No Verão também gostamos de nos armar em turistas”. Agora é nadador/salvador na Quinta do Lago. “Ainda está tudo calminho mas a partir de agora é sempre a encher até final de Agosto”.

O formador “Bonixe” elogia os antigos alunos: “Os miúdos são um espectáculo”, diz, destacando o profissionalismo dos formandos e as experiências de vida que esta actividade proporciona: “Sr. Bonixe, não me conhece?”, perguntou-lhe há um tempo um jovem, de bata branca, no hospital das Gambelas, em Faro. O antigo bombeiro, com 33 anos a formar nadadores-salvadores, não se recordava do ex-aluno. “Fiquei muito orgulhoso do médico, boas recordações”, desabafa.