Um ano depois, Trump solta os falcões da guerra na Casa Branca

As entradas de John Bolton e Mike Pompeo para a política externa fazem crescer o receio de que os EUA fiquem mais perto de uma guerra com o Irão ou com a Coreia do Norte.

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John Bolton tem defendido a necessidade de ataques contra o Irão LUSA/JUSTIN LANE / POOL

Nos meses que separaram o ataque terrorista contra o World Trade Center, em 2001, da invasão do Iraque, em 2003, o jornal New York Times entrevistou o então subsecretário de Estado norte-americano responsável pelo controlo do armamento e pelas questões de segurança internacional. Num dado momento, a atenção focou-se nas dúvidas sobre a estratégia da Casa Branca para a Coreia do Norte, um dos três pontos do Eixo do Mal em que o Presidente George W. Bush pintara um alvo, juntamente com o Irão e o Iraque. A resposta do entrevistado chegou com a ajuda de um livro, que puxou para si e atirou para cima da mesa: "'O Fim da Coreia do Norte'. Esta é a nossa estratégia."

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Nos meses que separaram o ataque terrorista contra o World Trade Center, em 2001, da invasão do Iraque, em 2003, o jornal New York Times entrevistou o então subsecretário de Estado norte-americano responsável pelo controlo do armamento e pelas questões de segurança internacional. Num dado momento, a atenção focou-se nas dúvidas sobre a estratégia da Casa Branca para a Coreia do Norte, um dos três pontos do Eixo do Mal em que o Presidente George W. Bush pintara um alvo, juntamente com o Irão e o Iraque. A resposta do entrevistado chegou com a ajuda de um livro, que puxou para si e atirou para cima da mesa: "'O Fim da Coreia do Norte'. Esta é a nossa estratégia."

Por essa altura, o subsecretário de Estado John Bolton andava ocupado a convencer o Congresso e o povo americano de que a prioridade era invadir o Iraque e depor Saddam Hussein, e não atacar a Coreia do Norte, mas o seu fascínio por bombas – as reais e as retóricas – manteve-se intacto até hoje, na semana em que foi nomeado conselheiro de Segurança Nacional pelo Presidente Donald Trump.

"O tempo está a esgotar-se, mas um ataque no Irão ainda pode ser bem-sucedido", escreveu, há apenas três anos, o homem que vai agora aconselhar Trump a lidar com o acordo sobre o programa nuclear iraniano, num artigo publicado no New York Times intitulado "Para travar a bomba do Irão, é preciso bombardear o Irão".

Há menos de um mês, John Bolton voltou a atacar nas páginas de um jornal, desta vez no Wall Street Journal, escolhendo como alvo a Coreia do Norte: "É perfeitamente legítimo para os Estados Unidos responderem com um primeiro ataque à actual 'necessidade' colocada pelas armas nucleares da Coreia do Norte", escreveu o homem que vai agora aconselhar Trump sobre a melhor forma de falar com Kim Jong-un – se o encontro entre os dois líderes, proposto pelo norte-coreano e aceite pelo norte-americano, se concretizar.

Viragem decisiva

A nomeação de John Bolton, anunciada pelo Presidente norte-americano na noite de quinta-feira, através do Twitter, marca uma viragem decisiva nas orientações sobre política externa na Administração Trump.

Em pouco mais de uma semana saíram da Casa Branca duas figuras de um pequeno grupo a que os críticos de Trump chamam, de forma depreciativa para o Presidente, "os adultos" – na prática, os membros da Administração que não têm como principal opção a ameaça de bombardeamentos, em contraste com as provas dadas por John Bolton em mais de 30 anos de actividade em Washington.

O secretário de Estado, Rex Tillerson, foi empurrado para fora ao fim de meses de desentendimentos com o seu Presidente sobre quase todas as questões de política externa mais importantes – ao contrário de Trump, Tillerson defendia mais cuidado a lidar com a Coreia do Norte e com o Irão, e uma atitude mais assertiva em relação à Rússia.

E nem na hora da saída o Presidente norte-americano escondeu que nunca perdoou a Tillerson o facto de este lhe ter chamado "fucking  moron" no final de uma reunião no Pentágono, no Verão do ano passado, num desabafo perante os seus conselheiros. Tillerson disse que só soube do despedimento pelo tweet de Trump, e esta quinta-feira, num discurso de despedida no Departamento de Estado, invocou valores como o respeito e a integridade, sem nunca mencionar o nome do Presidente: "Nunca percam de vista o vosso bem mais valioso, a vossa integridade pessoal. Só vocês podem abdicar dela ou permitirem que ela seja posta em causa. Depois de o fazerem, é muito difícil reconquistá-la."

Depois de Tillerson ter sido arrancado da equipa de política externa da Casa Branca, esta semana chegou a vez do conselheiro de Segurança Nacional, o general H. R. McMaster. Apesar de defender uma estratégia para a Coreia do Norte que não punha de parte um ataque militar, McMaster fazia uma barreira com Rex Tillerson para impedir o Presidente de rasgar pura e simplesmente o acordo sobre o programa nuclear do Irão.

Com a substituição de Rex Tillerson e H. R. McMaster por John Bolton e Mike Pompeo (ex-director da CIA), a Casa Branca tem agora uma equipa de política externa muito mais alinhada com Trump e, tal como o Presidente, acérrima defensora do fim do acordo que tem mantido o programa nuclear iraniano sob supervisão internacional.

E as mudanças recentes na Casa Branca para uma Administração mais à imagem do Presidente não se ficam por aqui. Para além das saídas dos mais moderados Tillerson e McMaster e das entradas dos falcões Bolton e Pompeo, nos últimos dias houve também uma mexida importante na equipa de advogados de Trump – saiu John Dowd, que aconselhava o Presidente a colaborar com a investigação do procurador especial Robert Mueller sobre a Rússia, e entrou Joseph E. diGenova, um advogado que disse, no canal Fox News, que essa investigação foi fabricada pelo FBI e pelo Departamento de Justiça no tempo de Barack Obama.

"Desligado da realidade"

São muitas as críticas à entrada de John Bolton na Casa Branca, principalmente no Partido Democrata e nos governos de países como o Japão e Coreia do Sul, interessados em não mexer ainda mais no ninho de vespas que é a península coreana.

E, na revista conservadora The American Conservative, o jornalista Gareth Porter alerta para a maior probabilidade de os Estados Unidos entrarem em guerra com o Irão, num artigo em que detalha a "campanha" de John Bolton, nos seus tempos de subsecretário de Estado na Administração de George W. Bush, para levar os EUA a atacarem a república islâmica logo após a invasão do Iraque, com a cobertura do então vice-presidente, Dick Cheney.

"As chefias militares sabiam que o Irão podia retaliar directamente contra as forças norte-americanas [no Iraque], incluindo contra navios de guerra no Estreito de Ormuz. Não tinham paciência para as ideias loucas de Cheney sobre mais guerra. Essas cautelas do Pentágono ainda existem. Mas duas mentes desligadas da realidade na Casa Branca podem alterar esee cenário – e levarem os Estados Unidos para uma guerra perigosa com o Irão."

Fim do establishment

Quando chegou à Casa Branca, em Janeiro de 2017, Trump foi forçado a aceitar algumas imposições do establishment do Partido Republicano quando começou a distribuir cargos na Casa Branca. Numa tentativa de remendar as profundas divisões internas que levaram várias figuras do partido a dizerem, durante a campanha, que não votariam em Trump, o recém-eleito Presidente não conseguiu fazer uma Casa Branca à sua imagem – o presidente do Partido Republicano tornou-se chefe de gabinete; e figuras como Tillerson ou o secretário da Defesa, o general Jim Mattis, foram vistas como males menores pela ala mais tradicional e anti-Trump do Partido Republicano.

Um anos depois, a Casa Branca parece estar em mudanças rumo a um futuro que Donald Trump gostaria de ter anunciado desde o primeiro momento: a partir de agora, com John Bolton e Mike Pompeo aos comandos da política externa, já não será ele o único a ameaçar os seus inimigos com "fogo e fúria como o mundo nunca viu".

E se as Nações Unidas já estavam em segundo plano nas contas de Trump, a partir de agora os líderes internacionais vão lidar com um conselheiro de Segurança Nacional norte-americano que olha para eles apenas como adversários ou inimigos — Bolton foi o representante do seu país na ONU no segundo mandato de George W. Bush.

O seu desdém pelas Nações Unidas ficou bem claro em 1994, depois de ter abandonado o cargo de assistente do secretário de Estado na Administração Bush, com a chegada de Bill Clinton à Casa Branca: "Isso das Nações Unidas não existe. O edifício das Nações Unidas em Nova Iorque tem 38 andares. Se ficasse sem dez andares, não faria nenhuma diferença."

Uma atitude perante a diplomacia e as relações internacionais que o director do site  UN Dispatch, Mark Leon Goldberg, descreve como "uma visão de soma zero". Num artigo com o título "Eu vi John Bolton de perto. Sim, tenham medo", Goldberg resume assim o pensamento do novo conselheiro de Segurança Nacional dos EUA: "Os ganhos de outros países, mesmo que insignificantes, são perdas para a América."