Salvini fecha com estrondo a porta que Berlusconi abre ao centro-esquerda

Nada do que se diga por estes dias em Itália é para levar demasiado a sério. Atiram-se sugestões, lançam-se apelos. Na fase dos negócios políticos, vale quase tudo.

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Ainda a tentar recompor-se da derrota que o transformou em parceiro menor da coligação de direita, Silvio Berlusconi continua a apresentar-se como a figura responsável desta aliança. Sublinhando a “lealdade” absoluta ao novo líder da direita, este da extrema-direita, Matteo Salvini, e à sua Liga, o ex-primeiro-ministro defende a necessidade de encontrar “um bom governo”, uma “solução mais estável”, estendendo assim a mão ao centro-esquerda do Partido Democrático (PD).

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Ainda a tentar recompor-se da derrota que o transformou em parceiro menor da coligação de direita, Silvio Berlusconi continua a apresentar-se como a figura responsável desta aliança. Sublinhando a “lealdade” absoluta ao novo líder da direita, este da extrema-direita, Matteo Salvini, e à sua Liga, o ex-primeiro-ministro defende a necessidade de encontrar “um bom governo”, uma “solução mais estável”, estendendo assim a mão ao centro-esquerda do Partido Democrático (PD).

Entrevistas, declarações de circunstância, quase tudo o que os dirigentes políticos dirão até ao final da próxima semana serve mais para medir reacções de aliados e rivais do que exactamente para dizer ao que vêm. Mas há alguns factos difíceis de pôr em causa. “Os italianos não votaram em nós para voltar a pôr [Matteo] Renzi no governo, nem para governar com [Paolo] Gentiloni”, diz, taxativo, Salvini, líder por direito da coligação mais votada a 4 de Março.

“Não iremos nunca para o governo se não pudermos fazer o que queremos realizar, eliminar a lei Fornero [que rege o mercado de trabalho e o emprego], controlar a imigração clandestina e renegociar os tratados europeus”, resume Salvini. Ora, nada disto seria aceitável pelo PD, seja quem for que o chefie (depois da demissão de Renzi e da passagem de testemunho de Gentiloni, que o substituiu como presidente do Conselho e se mantém como líder do governo de transição).

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A coligação de direita teve mais votos do que a de centro-esquerda. Mas individualmente, o partido mais votado foi o Movimento 5 Estrelas. Sem que ninguém tenha obtido a maioria no Parlamento, por mais contas que se façam não é possível formar um executivo que não inclua ou a Liga ou o M5S, de Luigi Di Maio. Antes das eleições, Berlusconi contava ser o mais votado na coligação, abandonar Salvini e aliar-se ao PD. Agora, é Berlusconi que treme face à perspectiva de uma (improvável) coligação entre a Liga o 5 Estrelas.

“Excluo essa possibilidade da forma mais absoluta. Confio em Salvini no plano da lealdade e da inteligência política”, afirmou Berlusconi numa entrevista ao diário La Stampa. “Não vejo como é que uma força da nossa coligação possa imaginar colaborar no governo com o 5 Estrelas. Não admito que a Liga possa fazer uma escolha assim tão distinta do que querem os seus próprios eleitores”.

Pois bem, para Salvini o M5S tem propostas absurdas (como o rendimento de cidadania universal, no valor de 780 euros mensais) mas o PD está ainda mais longe de tudo o que deseja impor com os votos conquistados. “Pediremos no Parlamento os votos para governar”, afirma, sem admitir aliar-se a mais nenhum partido (a sua coligação já inclui o Força Itália, de Berlusconi, os Irmãos de Itália, de Giorgia Meloni, e os centristas Nós com Itália).

Salvini parece acreditar que será capaz de convencer trânsfugas suficientes, mas precisa de 49 membros da Câmara dos Deputados para chegar à maioria. Questionado sobre se esta hipótese é realista, Berlusconi diz que “nesta fase cabe a Salvini escolher a estrada que considerar mais oportuna, nós vamos apoiá-lo lealmente”. Mas a sua opinião é outra: “Claro, é evidente que se forças políticas inteiras demonstrarem disponibilidade e responsabilidade, poderíamos avançar para uma solução mais estável”.

Moeda de troca

Da parte do Força Itália, a estratégia parece passar por oferecer ao PD a presidência de uma das câmaras do Parlamento, a Câmara dos Deputados ou o Senado, em troca de algum tipo de apoio de governação (o PD elegeu 112 deputados numa câmara de 630). Face aos resultados, o esperado seria que a Liga ficasse com uma das presidências, o M5S com a outra. Mas não se excluiu que estes cargos sirvam como moeda de troca – tal como um pacto entre Salvini e Di Maio para presidirem às duas câmaras não significa que se possam depois pôr de acordo para governar.

O jogo propriamente dito só começa na sexta-feira, 23, quando se inicia a legislatura com as primeiras sessões do Parlamento. É nesse dia que cada eleito se inscreve no grupo parlamentar que entender (não obrigatoriamente aquele com que se apresentou às urnas). E entre dia 23 e 24 de Março os presidentes das duas câmaras têm de ser eleitos.

Só depois entra oficialmente em cena Sergio Mattarella, o Presidente, que é a quem cabe escolher o dirigente que vai mandatar para tentar formar uma maioria. Depois de repetir várias vezes “lealdade” a Salvini, Berlusconi explica que se Mattarella entender, está pronto para ir juntamente com o resto da coligação às consultas com o Presidente. “A indicação que queremos dar é inequívoca”, assegura. Salvini diria o mesmo. Mas é preciso esperar para confirmar se as verdades de hoje se mantêm.