Plásticos na agricultura: a oportunidade perdida?

A crescente deposição de plástico agrícola em aterro vai desviar Portugal ainda mais das metas.

A Reforma da Fiscalidade Verde (Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro) tinha em vista contribuir para a eco-inovação, para a eficiência na utilização de recursos e, principalmente, promover um consumo mais sustentável. O legislador tinha por princípio maior operar uma mudança de paradigma, passando a taxar mais quem mais poluísse. Apesar da legislação que a suporta incluir diversas medidas e taxas, na prática, esta reforma ficou conhecida pela aplicação de uma taxa sobre os sacos de plásticos leves.

Assim, e tendo em consideração que o principal objetivo da Reforma da Fiscalidade Verde era “taxar mais quem mais poluir”, tratou-se de uma oportunidade perdida para resolver o grave problema da crescente contaminação dos solos em Portugal. Com os extintos sacos leves ainda havia a possibilidade da sua reutilização e reciclagem limpa (deposição em ecoponto), enquanto o plástico de origem fóssil utilizado na agricultura como cobertura de solo (mulch) muito dificilmente pode, sequer, ser reciclado.

Se até à data, apesar das dificuldades com a remoção destes resíduos de mulch do solo, havia ainda a remota possibilidade de reciclagem, embora com elevados custos ambientais e económicos, dada a necessidade de descontaminação destes resíduos, em 2018 decerto deixará de ser uma alternativa a considerar. Com a anunciada alteração da posição da China relativamente à importação de resíduos para reciclar, o mercado europeu deixa de ter um canal de escoamento para esse material. Assim, tendo mais por onde escolher, os recicladores serão mais seletivos no material a reciclar e naturalmente que os resíduos de mulch em que os contaminantes (pesticidas, fertilizantes, solo, restos de cultura, infestantes, aditivos UV) ascendem a mais de 50% serão preteridos. Esta mais que provável opção dos recicladores vai decerto conduzir a um retrocesso nas boas práticas ambientais por parte dos agricultores, uma vez que terão de pagar para proceder à entrega do mulch de PE numa entidade autorizada. A situação é tão mais grave quanto é sabido que a incineração não controlada deste plástico contaminado vai libertar para a atmosfera diversos poluentes, tais como dioxinas, que são reconhecidos desreguladores endócrinos e agentes cancerígenos.

Portugal tem o compromisso com a União Europeia de reduzir a quantidade de resíduos em aterro dos 45% alcançados em 2015 para 35% em 2020. Já em maio de 2017, a propósito da realização do Coloquio Ambiental da Região Oeste, foi referido que a produção de resíduos "tem vindo a subir, e essa meta é impossível de cumprir". A crescente deposição de plástico agrícola em aterro vai desviar Portugal ainda mais dessa meta, o que poderá levar a Comissão Europeia a instaurar uma ação contra Portugal no Tribunal de Justiça da União.

Também no caso do plástico de cobertura do solo, existe uma solução biodegradável desenvolvida em Portugal (Agrobiofilm©) que permite ter todos os benefícios do mulch de polietileno, mas sem os seus efeitos adversos para o meio ambiente. Este filme biodegradável, desenvolvido pela Silvex em colaboração com diversas universidades europeias (Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Montpellier 2, Universidade de Aarhus), obteve uma menção honrosa no âmbito do Prémio Produto Inovação promovido pela Cotec e ANI.

O Plano Estratégico de Resíduos Agrícolas (PERAGRI), cuja implementação vem sendo adiada continuadamente há mais de uma década, terá de resolver o problema criado pela aplicação generalizada de plásticos convencionais como cobertura de solo. Em conjugação com a anunciada reformulação da legislação sobre a Fiscalidade Verde, o legislador deverá aproveitar a oportunidade para incluir uma medida que, de facto, penalize a opção pelo mulch de polietileno, uma vez que existem soluções alternativas e biodegradáveis “made in Portugal”. O apoio à utilização desta alternativa biodegradável deve deixar de estar restrito às organizações de produtores, passando a estar disponível a todos os agricultores, a exemplo do que acontece em outros países da União Europeia.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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