Governo quer proibir farmácias de fazer descontos acima de 3%

Descontos nos medicamentos não poderão ser superiores a 3%, segundo um projecto de despacho do ministro da Saúde. Medida visa proteger pequenas farmácias. Mas a Autoridade da Concorrência discorda

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É sobretudo nas grandes cidades que se praticam os descontos mais altos Fernando Veludo/NFactos (arquivo)

Os descontos que algumas farmácias fazem em medicamentos sujeitos a receita médica podem vir a ser limitados no futuro. O Ministério da Saúde elaborou um projecto de despacho em que prevê que o desconto praticado pelas farmácias não poderá ser superior a 3% sobre a parte não comparticipada destes fármacos — quando actualmente há estabelecimentos que praticam descontos de 10%, 15% e até 20% para conquistarem clientela.

“Os trabalhos sobre esta matéria ainda estão a decorrer”, admitiu ao PÚBLICO o gabinete do ministro da Saúde, sem adiantar mais detalhes sobre este processo que se antevê polémico. Não é uma decisão fácil: a emperrar a intenção da tutela de impor restrições aos descontos praticados por algumas farmácias, há já um parecer desfavorável da Autoridade da Concorrência (AdC); também pesará o facto de a medida ser previsivelmente impopular, uma vez que muitas pessoas se habituaram a comprar medicamentos com descontos em farmácias, desde que tal passou a ser possível há mais de uma década.

Foi com o Estatuto do Medicamento, decreto-lei aprovado no governo de José Sócrates quando era ministro da Saúde Correia de Campos, que se abriu a porta a esta possibilidade — que tinha sido recomendada no ano anterior pela AdC. Desde então, multiplicaram-se as farmácias que anunciam e praticam descontos, sobretudo nas grandes cidades, levando outras a fazer o mesmo para não perderem clientes.

É uma matéria complexa que está em estudo desde há algum tempo porque estará a ter um efeito perverso, ao provocar dificuldades às farmácias mais pequenas, sobretudo as que estão localizadas no interior do país. Foi, aliás, em resposta a uma pergunta do grupo parlamentar do PCP — ao qual chegaram queixas de várias farmácias contra a “desregulamentação dos descontos praticados” — que o gabinete do ministro da Saúde adiantou, no início deste mês, que elaborou o tal projecto de despacho prevendo que o desconto (que incide exclusivamente sobre a parte não comparticipada do preço do medicamento) não pudesse ser superior a 3%.

A "situação económica do sector das farmácias em Portugal é, publica e manifestamente, débil e com elevado risco de sustentabilidade”, argumenta o gabinete do ministro. Um risco que, acrescenta, afecta "negativamente o acesso dos cidadãos a medicamentos e ameaça a capilaridade e distribuição equitativa da rede de farmácias por todo o país”.

Para fundamentar a intenção de passar a estabelecer um limite aos descontos, lembra ainda que, no cenário europeu, “poucos países permitem descontos da farmácia ao utente” e, quando o fazem, isso acontece apenas em medicamentos com preços regulados. Ou seja, “não podem ser feitos descontos nos medicamentos comparticipados”.

E dá o exemplo dos países que servem de referência a Portugal para fixar o preço dos medicamentos comparticipados, como Espanha, França e Itália, onde apenas são permitidos descontos em medicamentos não comparticipados ou não sujeitos a receita médica. Para justificar a fixação de um desconto máximo de 3%, o ministério alude a um estudo da Universidade de Aveiro, segundo o qual, em média, os grossistas concedem um desconto comercial de 3,5% às farmácias.

"Guerra desleal"

O problema é que a Autoridade da Concorrência é contra. Num parecer pedido ao regulador — e citado nesta resposta —, a AdC recomenda que não sejam introduzidos limites aos descontos a praticar pelas farmácias, de modo a “preservar o grau de concorrência actualmente existente", que é "indispensável a uma afectação eficiente de recursos e ao bem-estar dos consumidores".

Já a Direcção-Geral das Actividades Económicas, apesar de admitir que esta medida possa fazer sentido em farmácias situadas "em territórios de grande densidade", considera que a proibição de descontos superiores a 3% no preço dos medicamentos terá um impacto reduzido para as farmácias situadas em zonas onde há pouca oferta.

“Nós bem queríamos que esta questão fosse regulamentada, porque tem havido uma guerra desleal entre farmácias e este era precisamente um dos pontos do acordo assinado há cerca de um ano com o Ministério da Saúde”, sublinha Manuela Pacheco, presidente da Associação das Farmácias de Portugal (AFP), que representa 153 estabelecimentos. A principal associação do sector, a Associação Nacional de Farmácias (ANF), não se quis pronunciar sobre esta matéria.

"É um assunto muito complicado", admite a farmacêutica, que avisa que há o risco de pequenas farmácias fecharem por não terem hipótese de concorrer com esta prática dos grupos com muitas farmácias e grande peso económico. Grupos que, diz, "chegam a fazer descontos de 20 a 25%". Nas aldeias há quem prefira não comprar na farmácia local e opte por adquirir os remédios quando vai à cidade, diz.

"Mas comprar medicamentos não é o mesmo que comprar cerejas ou batatas”, enfatiza, frisando que isto tem "um custo, em termos de saúde pública, porque não há um seguimento do utente".

Um responsável da Ordem dos Farmacêuticos (OF) citado na última edição da revista da instituição, também está a favor da limitação dos descontos. “Os descontos são praticados, na maioria dos casos, por unidades com maior poder económico e de forma indiscriminada, independentemente da capacidade financeira do pagador. A degradação do preço não é salutar, porque distorce a concorrência, pondo em risco a sustentabilidade dos mais pequenos”, sustenta João Almeida, da OF. De resto, acrescenta, “não faz muito sentido que o Estado fixe o preço e as margens e depois permita uma desregulação nos descontos”.

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