Junqueras defende que é ilegal ser president à distância, como quer Puigdemont

Carme Forcadell renuncia à presidência do parlamento para que esta possa ser assumida por alguém sem “fardos judiciais”. Madrid admite manter intervenção nas finanças catalãs para lá do artigo 155.

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A partir de Bruxelas, o líder cessado e depois eleito continua a dar entrevistas Reuters

Ainda nem dois dias tinham passado desde o jantar entre Carles Puigdemont e Marta Rovira, a “número dois” da ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) que, na ausência de Oriol Junqueras (detido desde Novembro), exerce a liderança. ERC e Juntos pela Catalunha, a coligação com que o líder do PDeCAT e ex-presidente da região se apresentou a votos em Dezembro, pareciam de acordo em exigir que Puigdemont fosse de novo líder da Generalitat.

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Ainda nem dois dias tinham passado desde o jantar entre Carles Puigdemont e Marta Rovira, a “número dois” da ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) que, na ausência de Oriol Junqueras (detido desde Novembro), exerce a liderança. ERC e Juntos pela Catalunha, a coligação com que o líder do PDeCAT e ex-presidente da região se apresentou a votos em Dezembro, pareciam de acordo em exigir que Puigdemont fosse de novo líder da Generalitat.

De repente, a fundamentação apresentada por Junqueras para pedir a sua transferência da prisão de Estremera (Madrid) para uma prisão catalã, que lhe permita estar presente na sessão inaugural da legislatura, a 17 de Janeiro, deita por terra a estratégia de Puigdemont (e que até agora se pensava partilhada entre os ex-aliados de governo).

Ao argumentar que “segundo o artigo 4.1 do Regulamento do Parlamento, os deputados devem assistir aos debates e votações do plenário” porque “são insubstituíveis” e o seu voto é “indelegável”, a defesa do líder da ERC derruba o plano da Juntos pela Catalunha: conseguir que o seu candidato, Puigdemont, faça o discurso de investidura a partir de Bruxelas ou que o delegue num deputado da sua lista a leitura da sua mensagem no hemiciclo.

No jantar, Rovira e Puigdemont só tinham conseguido negociar um princípio de acordo para garantir a maioria independentista na Mesa do parlamento (três lugares para cada, num órgão de sete membros), que será eleita na sessão inaugural. Nem sequer conseguiream acordar num nome para a dirigir. Agora é preciso esperar para ver como reage a Juntos pela Catalunha para saber se até o pouco negociado em Bruxelas se mantém válido.

A vida continua difícil para os independentistas, depois de umas eleições em que o mais complicado não era mesmo ganhar. Assegurada a renovação da maioria depois de meses de nervos e da maior crise política da Espanha democrática, com um referendo ilegal (marcado por cargas policiais) e o Estado a aplicar pela primeira vez o artigo da Constituição que suspende a autonomia, os partidos não conseguem ultrapassar os obstáculos que resultam de terem os seus dirigentes detidos ou num auto-exílio que impede que sejam mandados para a prisão.

“O resultado de 21 de Dezembro deu-nos um mandato que reflecte a maioria. O candidato presidencial vai ser evidentemente Puigdemont”, dissera pouco antes de se conhecer o documento enviado pela defesa de Junqueras ao Tribunal Supremo Jordi Xucla, da Juntos pela Catalunha. Ao contrário do que antecipavam as sondagens, a lista de Puigdemont foi mais votada do que a ERC – Junqueras recusou reeditar a coligação Juntos pelo Sim, de 2015, em parte por ter a certeza que sairia vencedor.

“Presidente holograma”

Na verdade, a cabeça de lista mais votada mas que sabe não ter possibilidades de somar apoios para formar governo foi Inés Arrimadas, do Cidadãos. Referindo-se a Puigdemont como “um fugitivo”, a líder do C’s catalão gozou com a hipótese de um “presidente holograma”.

Para além da rasteira de Junqueras, começa a ser divulgado o conteúdo das reuniões dos advogados do parlamento catalão, que analisam o regulamento para perceber se seria admissível uma investidura à distância.

“À vista, em presença de”, é a definição da Real Academia Espanhola para o termo “diante de”, “tal como o regulamento do parlamento e a lei do president assinalam que o candidato à presidência apresenta ‘diante do plenário o seu programa de governo e solicita a confiança da câmara’”, assim começa o jornal catalão La Vanguardia o seu texto sobre a última reunião dos advogados.

A verdade é que não existe relatório oficial, mas sabe-se que até discussões gramaticais os advogados têm tido. E a uma semana do arranque da legislatura, não parece haver argumentos para ajudar Puigdemont.

Juristas do Estado, por seu turno, concluíram com mais facilidade que o regulamento da assembleia catalã “exige que o candidato à presidência apresente o seu programa e solicite a confiança do plenário”, acrescentando que não contempla a possibilidade de uma apresentação “não presencial”, mesmo pelo “carácter absolutamente pessoal” da investidura.

A primeira vez

A somar à importante questão de se saber quem será o próximo líder da Generalitat – se não for Puigdemont, poderá ser Junqueras, o seu-ex-vice, ainda que permaneça detido? Há precedentes, um caso basco, para um líder ir da prisão ao parlamento propor formar executivo. Está também por perceber se os quatro eleitos que se encontram em Bruxelas com Puigdemont (e eventualmente, o próprio) poderão renunciar aos seus lugares, não se arriscando a ser detidos e sem prejudicar a maioria independentista.

“É a primeira vez que nos encontramos numa situação assim”, diz a Junta Eleitoral de Barcelona. Pois, não houve outra igual. Recolher a credencial de deputado, explica a imprensa catalã, é fácil e pode transferir-se essa autoridade; difícil é renunciar ao cargo, principalmente no estrangeiro. A solução óbvia seria que estes eleitos se dirigissem à embaixada espanhola de Bruxelas; o problema é que se o fizerem serão detidos.

Enquanto não surgem soluções para os problemas de fundo que as forças independentistas enfrentam até encontrar uma solução para formar governo com três deputados em prisão preventiva (dois ainda aguardam recurso, só Junqueras já viu recusada a liberdade) e cinco em Bruxelas, vão-se clarificando alguns aspectos.

A ex-presidente do parlamento, Carme Forcadell, que antes de se apresentar a votos em 2015 liderava a ANC, a maior associação independentista da Catalunha, fez saber que será deputada mas não voltará a dirigir a Mesa, abrindo espaço a “uma figura livre de fardos judiciais” (ela e todo o ex-governo enfrenta acusações de “rebelião, sedição e desvio de fundos” por causa do referendo da independência). E começa a desenhar-se um consenso em redor do nome de Ernest Maragall, ex-socialista eleito pela ERC.

Quarta-feira se saberá se assim é. E aí começa a contar o relógio – o líder da Mesa iniciará contactos com os partidos e terá dez dias úteis para marcar o primeiro debate de investidura.

Madrid sabe que o artigo 155 da Constituição deixará de valer assim que haja parlamento, mas isso não significa que o Estado deixe complemente de interferir na governação catalã: pode continuar a mandar nas finanças, “dependendo se o Ministério [das Finanças] considera que desapareceram as razões que motivaram” essa intervenção, diz o delegado do Governo na Catalunha, Enric Millo. Ou seja, cabe ao Governo de Madrid decidir se há a intenção de gastar dinheiro em actividades que possam significar um avanço na direcção da independência.