A vida da palavra amorosa

Nenhuma personagem consegue elidir o peso de ser personagem-discurso.

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Com inspiração nos Fragmentos de um Discurso Amoroso de Roland Barthes (os “pensadores” nunca estão muito longe do cinema de Claire Denis), Um Belo Sol Interior é uma espécie de ensaio sobre as angústias afectivas e sentimentais de uma mulher (Juliette Binoche), exponenciadas pelo medo de estar prestes a bater na “parede” (expressão da personagem para o receio da existência de um limite etário para as histórias passionais). Numa estrutura que elide boa parte das cenas de causalidade, vemo-la de encontro em encontro, normalmente frustrado, a fazer crescer um desespero manso que de quando em quando explode em lágrimas.

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Com inspiração nos Fragmentos de um Discurso Amoroso de Roland Barthes (os “pensadores” nunca estão muito longe do cinema de Claire Denis), Um Belo Sol Interior é uma espécie de ensaio sobre as angústias afectivas e sentimentais de uma mulher (Juliette Binoche), exponenciadas pelo medo de estar prestes a bater na “parede” (expressão da personagem para o receio da existência de um limite etário para as histórias passionais). Numa estrutura que elide boa parte das cenas de causalidade, vemo-la de encontro em encontro, normalmente frustrado, a fazer crescer um desespero manso que de quando em quando explode em lágrimas.

Não chega a ser “melodrama”, porque para Claire Denis a sua personagem central (e todas as outras) é acima de tudo uma espécie de plataforma reflexiva, um posto de observação para diferentes atitudes e discursos sobre o amor e as relações afectivas. Apesar da entrega de Binoche (que nunca será uma Huppert mas está a fazer uma transição relativamente arriscada para a “meia idade”), nem ela nem os seus vários coadjuvantes masculinos conseguem elidir o peso de serem, essencialmente, personagens-discurso, personagens que valem pelas palavras que dizem (algumas delas directamente pescadas em Barthes), e cujo valor é servirem de representação de uma perspectiva, de uma atitude, enfim, de um discurso. Que não ignora, como habitualmente em Denis, a questão social – e se este é um filme bastante “burguês” para os parâmetros habituais da realizadora, com as suas personagens oriundas do meio artístico e intelectual parisiense, a questão da “classe” pôe-se mais do que uma vez, em especial no episódio na discoteca de província, de onde a protagonista “arranca” um relacionamento com um homem que pertence claramente a outro estrato social.

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Mas nem essa personagem (a mais intrigante de todas) vive realmente, são sempre sombras, e mesmo se o filme arranca com uma cena de sexo pouco convencional (a cena, não o sexo) vai-se tornando bastante óbvio que falta “carne” à altura de tanta palavra. Carne e vida: pode-se comparar este tipo de estrutura, baseado em longas cenas de diálogo entre pares de personagens, com as dos filmes de Hong Sang Soo (como por exemplo O Dia Seguinte, que está em exibição), e constatar o óbvio – que nada disto se compara com a vida que existe num único plano de Hong, que ao contrário de Denis nunca faz o seu cinema derivar da teoria.